sexta-feira, 22 de setembro de 2023


Lembro-me de ter o MoMA na minha mira com a determinação de quem tem de ir lá. Do aborrecimento que era descobrir obras de arte lindíssimas e ver na legenda “localização: MoMA”, como se o museu fosse uma criança mimada com todos os brinquedos. Bom, talvez possamos questionar isso – certamente faz sentido que questionemos isso. Não será, no entanto, o intuito deste artigo. 

quarta-feira, 13 de setembro de 2023


Ainda sou apanhada de súbito quando atendo uma chamada sua e oiço a sua voz. Talvez por não ser um ritual recorrente, atender as suas chamadas. Costuma ser ele a atender as minhas e já vou preparada. Pede a distância das nossas idades e a frescura da sua adolescência que seja eu a mais preocupada em ligar – também eu já estive do outro lado a atendê-las (a falhar a maioria). O tarifário continua a ser um jogo de cintura: ele tem minutos limitados e necessita de escolher a dedo com quem os investir. Curiosamente, eu sinto o mesmo. 

Na minha memória, a sua voz ainda não desceu tantas oitavas. Um embaraço para ele, que a cada dia cresce, agrava-se, alarga e ocupa o seu espaço no mundo, procura-o, devora-o. Mais do que pertencer a algo ou a um lugar, todos queremos algo que nos pertença. Que seja nosso sem posse.

Ele ainda é pequeno na minha memória. É uma teimosia ingrata; também eu ainda sou a pequena Inês (e nunca Inêsinha) na memória de tantos. Ainda tenho franja. É uma pena, já ocupei tanto lugar e tão melhor - que desconsolo apenas ficar pelos primeiros capítulos. Não me permito a fazer-lhe o mesmo, embora, cada vez que sou apanhada em falso, saiba que o faço com doçura. Os outros também mo fizeram – e fazem. 

“Promete-me que não cresces mais do que eu” dizia-lhe e ele acenava, sem saber que não poderia cumprir a promessa. Era mais importante e nuclear para ele saber que não queria estar contra mim, mesmo que ficasse mais alto. Já tenho de levantar o queixo para o olhar nos olhos, mas perdoo-lhe o nada que tem a pedir desculpa. Durante muitos anos, foi ele a olhar para cima. Fazia-me perguntas, entregava o seu brinquedo de confiança, indicava-me o caminho, mesmo sabendo que era eu quem lhe dava o Norte. Queria ir para um qualquer lugar e puxava-me, segurava-se forte nas pernas rechonchudas, pronto para ir, mas precisava da minha mão para andar. E eu, que nunca tive sentido de orientação, fui bússola. 

Foram poucas as vezes que o fiz olhar para mim cá do alto – nunca me coube essa perspetiva. Os meus joelhos sacrificaram-se pelos seus olhos, ora baixando-me para ver o mundo do lugar dele, ora dando-lhe colo para ele ver o mundo do meu lugar. Eu, que só conhecia o colo que se recebe, aprendi com ele o colo que se dá. Os meus bracinhos frágeis a lutar contra a insegurança para o agarrar com um cuidado que nasceu ao mesmo tempo que ele. Não me esquecia da mão pousada na cabeça, diretriz que ficou. Tenho-lhe uma gratidão visceral por nunca ter querido abandonar o meu colo tão inexperiente. Havia entre nós uma leitura sem idade nem língua, cada um a entendia à sua maneira. Nada se perdia na tradução. 

Há um encantamento, pouco lógico, mas muito humano, em testemunhar de perto o crescimento de alguém – tão de perto que eu não o vejo crescer e ele não me vê envelhecer. É como assistir a um filme pela primeira vez e descobri-lo como um dos favoritos da vida; queremos repetir a transmissão, não perder nenhum detalhe e fazer parte do enredo, das passagens preferidas. Entendo nele muita coisa que não me diz e não tomo nenhum dos seus traços por garantido. Sei que estão de passagem. 

Descubro-lhe coisas novas todos os dias e evito trazer comigo o guião do dia anterior. Hoje, esse papel já não lhe serve. É este o derradeiro desafio da adolescência: vestir vários papéis, caber em poucos, levar alguns pormenores e falas connosco até criarmos o nosso. Obrigá-los a ficar com o primeiro guião é crueldade de encenador. Pode resultar em tragédia. 

Encontramo-nos nas canções que trocamos um com o outro, no sentido de humor que partilhamos (ou que lho incuti, sem querer, mas adorar?), no mesmo sonho em ter mundo e nos mesmos enlaces familiares (temos a mesma raiz, sabemos onde estão a fruta e os ramos frágeis). Uma cumplicidade que me diz, todos os dias, que ele gosta de mim e que eu gosto dele. Não há tempo a perder com quem não gostamos numa adolescência em que o mundo parece ser um abismo constante onde nós corremos perigosamente ao longo da margem. 

Observo paralelismos entre nós cada vez que ele pousa o pé numa das minhas pegadas, e isso evoca-me mais o espanto do que o orgulho. Saber que ainda sou bússola assusta-me: também eu ainda estou a descobrir o caminho. Mas conheço a solidão de fazê-lo sem nenhuma pista na terra batida à minha frente. Se ele atalhar, se encontrar um outro trajeto para percorrer, espero que encontre outras pegadas. Espero que deixe as dele também. 

Inês foi uma das suas primeiras palavras, um desafio que não se pede a nenhum ser que ainda está a descobrir os sons. A sua voz. 

Talvez seja uma observação injusta quando afirmo que ele me liga pouco. Chamou-me desde o seu princípio. Em todas as suas vozes e oitavas. 
Escutei sempre.

terça-feira, 12 de setembro de 2023


App airalo | Recomendo a aplicação se quiserem comprar um pacote de dados móveis sem terem de comprar e trocar para um cartão com nº de telemóvel associado – basta confirmarem que o vosso telemóvel aceita e-sim. Vou ser honesta: não é o processo mais intuitivo do mundo, mas a aplicação tem um bom tutorial, é relativamente barato (têm vários pacotes de dados móveis/dias disponíveis) e a verdade é que sem dados móveis será muito difícil orientarem-se na cidade ou fazerem reservas. Recomendo mesmo muito. 

domingo, 10 de setembro de 2023


Julho e agosto não podiam ter sido mais distintos, num retrato fiel às duas formas de viver o verão. Não tenho preferência por nenhuma e gosto quando coexistem assim, neste equilíbrio que traz harmonia, novidade e, claro, Favoritos. É para isso que cá estamos todos, a cada balanço. Mergulhemos neles, então.

sábado, 2 de setembro de 2023


Havia um desconsolo no meu olhar quando abria as janelas e via uma declarada sabotagem ao meu verão no céu carregado e na brisa fresca demais. Já a minha avó não partilhava do mesmo desânimo: eram os seus dias de verão preferidos, uma lógica de predileção que tem pouco fundamento, da mesma forma que temos uma cor preferida e um sabor de gelado irrecusável. 

Olhava para os meus patins em linha e para a televisão sabendo que ambos me prometiam um entretenimento e aventura que a praia com neblina não podia igualar. Não tinha muito tempo para me imaginar a patinar na rampa de casa porque, no mesmo instante, já estávamos porta fora, prontas para ir para o areal e sem poder ceder ao meu capricho. Viria a ceder a muitos, anos mais tarde. Caprichos deliciosos onde gostei de ser dona de mim e das minhas vontades. Porém, esta imposição inocente é irrepetível. Só se vive na infância e nunca a apreciamos até já não termos idade para a apreciar. Já ninguém nos pode impor nada. Com ou sem inocência. 

O caminho era feito a pé, o arranque em asfalto e a reta final em terra batida – sabia que estávamos a chegar quando o som dos meus chinelos no chão mudava. Um caminho que, ocasionalmente, seria percorrido por mais de quatro pernas, mas que, na maioria das vezes, só contava com nós duas.

Nunca percebia porque é que a minha avó arranjava o cabelo com laca antes de ir, um primor que não era compatível com a brisa húmida. O cabelo estaria em total desalinho em dois segundos. “Antes dois segundos à tua maneira do que nenhuns”, dizia-me. Não se percebe o quanto podem durar os segundos quando ainda se tem poucos anos na pele. 

Éramos nós e as gaivotas no areal. A areia tão gelada e molhada que me fazia querer enrolar na toalha. O mar, por vezes, sem estar à vista, embrulhado num nevoeiro denso e triste. Mas quem olhasse para ela, via aquela felicidade que começa nos olhos. Uma satisfação ímpar. 

Não me lembro de procurar pelas cores da bandeira, não importava. O mar enrolava-se em tons carregados pelo dia outono precoce que tinha chegado sem pedir licença. Se fechar os olhos, vejo o cabelo dela numa coreografia sincronizada com as suas calças e camisa, ambas num tecido fluído ao sabor do vento. Lembro-me de pensar que ela não tinha roupas de avozinha – uma constatação que encarava com bizarria e admiração. Queria ser igual. 

Segurava a bainha das calças pelos joelhos e levava sempre os pés ao mar gelado e hostil. “Está ótima”, dizia-me, uma promessa que carregava em si o desafio para me juntar a ela e o limite – era até ali que podia ir, se quisesse ir. “Depois não te consigo salvar se fores mais além” avisava-me, os olhos num paradoxo de alerta e doçura. Viria a repetir-me esta mensagem muitas mais vezes enquanto cresci, mesmo nunca mais a dizendo, na verdade. Via-a estampada nos seus olhos, o mesmo olhar. Ela quis salvar-me de todas as vezes que fui para o mar além do limite. Custou-lhe nunca ter tido pé para o fazer. E o alívio dela quando eu voltava, enregelada e coberta de uma areia carregada pelas ondas, era sem igual. Eu sabia nadar. 

No seu saco cabia toda a humanidade - eu era pequena demais para conseguir ver outra dimensão, ainda sou. Trazia tudo o que precisava e mais uns danoninhos, que eu comia com o maior gosto do mundo, o mar que ainda tinha nos lábios a salgar o doce. Não há valor nutricional que suplante o valor da generosidade com que ela mos comprava e levava, o cuidado com que me colocava o copinho e a colher nas minhas mãos pequenas e húmidas, cheias daquela areia que não sai, gruda. “Queres outro?” perguntava-me sem eu ainda não ter terminado o primeiro, ansiosa por repetir o gesto de carinho. Hoje, satura-me só de pensar naquele sabor artificial do morango, jamais o voltaria a comer. Mas do amor dela eu nunca vou enjoar. 

Não sei porque é que ela gosta dos dias de verão em que a praia está em pura neblina. Via apenas a satisfação no seu rosto, os olhinhos pequenos a fecharem-se, a musicalidade com que me dizia “assim é que se está bem”. Nunca concordei com ela, mas não lhe neguei este prazer. 

A neblina, hoje, convida-me a outros momentos de consolo. Tem o som das páginas de um livro, do abrigo de uma sala, de uma música melancólica e da cerâmica quente das chávenas. Continuo a preferir a praia em pura cor, a areia a escaldar-me. Quero não poder ver o mar pela intensidade do brilho do sol e não pela densidade da neblina. 

E ainda assim, nestes dias de nevoeiro que arrepiam a pele e tiram a saturação ao céu, ligo-lhe e digo “hoje, estavas tão bem na praia”. “pois estava”, concorda sem hesitação. Oiço-lhe o sorriso com que me responde.

Às vezes, ainda vamos.

quarta-feira, 30 de agosto de 2023


O verão é a minha promessa preferida. Sempre prometeu que seria interminável. Nunca o cumpriu. Raras vezes me importei. 

Nunca me esqueço do protetor solar e das expetativas quando procuro o meu fiel saco de praia, companheiro que guarda sempre surpresas do verão passado. Um pouco de areia, um pouco de praia nos cantos. Uma revista já sem relevância que não sobreviveu ao tempo em que tudo se reinventa. Um acessório que já não me recordava de ter – fica tão bem com os planos que estão por vir. 

Do antigo verão que, agora, só consigo recordar através de fotografias – umas das quais não me recordo sequer de existir, outras já tiradas por mim - sou transportada para a nostalgia do que realmente era interminável: os dias, as horas da digestão, o momento em que podia voltar a comer outro gelado, a viagem em família programada, a sétima onda. O tempo até ao próximo verão.

Agora, o verão traz-me a desrotina. Um compasso sem horário, num andamento que consigo acompanhar, onde quebro as regras que inventei. Os sons que me despertam vêm da janela. Há um improviso para cada dia e a agenda em branco não assusta. Perguntar ‘onde queres ir?’ nunca foi tão bom. Talvez mais delicioso seja saber o que responder. É nesta desordem ao sol que se faz gosto para o resto do ano com alegria – e não há como fugir dela: estejamos estendidos na toalha ou abrigados nas nossas sombras, todos apanhamo-la.

Há um mar no meu verão que cresceu comigo. Sinto-lhe o gosto sem tocar ainda na areia – somos velhos amigos. É um mar gelado, onde lhe reconheço pouca calma e muita rebentação. Há um ritual onde quem mergulha tem de ir inteiro. Não é um mar para cobardes, diz-se. E não é mesmo. Quem lhe volta costas, cai na areia em chicote. Não se nada na indecisão. Sabemos que o mar traz boas lições. Quando não faz marinheiros, faz bravura. Que aborrecimento é um mar onde qualquer um pode entrar.

Do meu verão registo tudo, pouca coisa com o telemóvel e muita com a memória – aquela que nunca se esgota e que, ainda na minha idade, pouco tem como me trair. Na minha memória há sardas, cabelos enriçados, ritmos que dão tom às viagens, jantares às horas em que costumo dormir, sonos em horas a que costumo acordar. Tem a cor das roupas, dos olhos das minhas pessoas preferidas, dos cabelos mais claros, das peles mais escuras, das bandeiras. Tem rugas, muitas rugas. Rugas de risos, rugas do reflexo ao sol. 

Ainda não sei como captar as minhas coisas preferidas do verão. O perfume que parece durar mais tempo, o som dos chinelos e sandálias, o cheiro da roupa lavada nos estendais e dos talheres nos almoços à varanda. Das andorinhas em valsa nos telhados terracota. Há coisas que um ecrã não resgata, sons que têm outro encanto quando não temos como os voltar a reproduzir. Como se regista uma surpresa, uma reviravolta? Ainda não há como registar um sabor de outra maneira que não apenas recordá-lo: saber na ponta da língua. 

Os dias alargam-se, conspiram a nosso favor. Há tanto verão para viver e tanto a viver no verão. Um tanto que não chega, sobra sempre para o próximo. É o que mantém a promessa viva, o que dá voz ao consolo “Não faz mal. No próximo verão, não nos escapa.” Pouco importa se escapa ou não, na realidade. Importa que há um próximo verão.

domingo, 2 de julho de 2023


Junho é (quase) sempre sinónimo de pele ao sol, tasquinhas, amigos, esplanadas, mergulhos e dias longos. Este ano, também foi sinónimo de planos, cuidados, passeios, espetáculos e muito, muito trabalho. Vamos aos destaques?

terça-feira, 20 de junho de 2023


Gémea de Hallstatt | Hallstatt é um dos lugares mais célebres da Áustria, um verdadeiro cenário de conto de fadas na vida real, e é de tal forma amada pelos turistas chineses (compondo a maior percentagem de turismo na cidade) que a própria China fez uma replica do lugar em Luoyang, inaugurada em 2012. As semelhanças são evidentes! 

segunda-feira, 19 de junho de 2023


Soube que Viena gostava de mim antes de ela saber que eu gostava dela. À distância, reparava nos pormenores que me faziam desconfiar desta compatibilidade: a sua aparência chamou-me atenção, e depois a cultura, o que tinha dentro, à mercê de quem se atreve a visitá-la. 

segunda-feira, 12 de junho de 2023


Admito que, com uma lista interminável de livros que já despertaram a minha curiosidade e que tenho vontade de ler, é cada vez mais raro escolher um livro que nunca antes tenha ouvido falar e que simplesmente chame a minha atenção na livraria. Mas quando acontece, parece mágico – e lá estava este, um só exemplar e com um título que me interessou. 

The Lonely Stories é uma coleção de ensaios onde o tema principal é, precisamente, a sensação de se estar sozinho. Pode parecer monotemático convidar 22 escritores para explorar este tema, mas basta mergulhar nas primeiras páginas para compreendermos o que ‘estar sozinho’ pode ramificar para tantas abordagens e sentimentos. 

Ao longo das páginas, vamos testemunhando as alegrias e dificuldades de se estar sozinho, entre solidão, independência, preconceito, celibato, melancolia e celebração. Nenhuma história se equipara à outra e percebemos que, muitas vezes, estamos sós em associação a outros elementos fundamentais como a autonomia, luto, vícios, criatividade, insatisfação, empoderamento, auto-descoberta, emigração, entre outros. É curioso que seja um dos estados mais comuns do ser humano – e tão facilmente espoletado por uma série de eventos e fatores -, mas que ainda desperte tanto pudor em falarmos sobre isso. Numa sociedade que premeia a extroversão e o conforto social, dizer que se está sozinho ainda é referido com alguma timidez, quase culpa. Gosto que este livro contrarie a tendência mais de 20 vezes. 

Pelo tema e pela densidade de alguns dos ensaios, eu recomendo que partam para este livro com a disposição certa e que o complementem com uma outra leitura mais leve, porque é uma pena se deixarem que o seu peso influencie a qualidade e pertinência das reflexões que encontramos nestas páginas. Sublinhei várias passagens, tive empatia com inúmeros episódios e senti-me reconfortada com tantos outros. Sempre tive muito conforto em estar sozinha (nunca só) e gosto de saber que há um livro que celebra isso. Estava à minha espera, naquele dia na livraria.


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Bertrand

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