Apesar

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Desconfio que só começamos a prestar a atenção à primavera em adultos. É um território invisível na infância, um Alentejo nas férias de verão que só se valoriza com o amadurecimento. É possível que nos diga mais quando crescemos graças à sua repetição: por mais desprovido de vida que seja o inverno, teremos a sombra das folhas no verão.

Apercebo-me mais das transições de estação agora, principalmente do seu princípio. Há sempre uma pequena resistência da estação que se despede, uma vontade de ficar mais uns dias, de preparar um adeus triunfal antes de o pano descer para um próximo ato.

Em breve, vou deixar de conseguir ver o jardim da vizinhança; estará coberto por árvores jovens, folhadas num tom verde lápis de cor, daqueles que escolhíamos para desenhar as árvores como se fossem nuvens. 

Já consigo sair de casa sem casaco ou com sapatos abertos, com coordenados mais leves que parecem contagiar os dias, cada vez mais longos, mais possíveis. Desfazemo-nos em elogios aos dias de verão, mas os amanheceres de abril e maio (tão longos, tão cedo) são o ponto de partida do nosso contentamento. Sentir que o meu dia não fecha com o som do portátil a ser arrumado no armário, que pode haver mais: pode haver um gelado na cidade, uma bebida fresca na esplanada, uma caminhada no parque ou um encontro com uma amiga à luz do sol. A primavera é o espreguiçar dos dias e todos nós adoramos a sensação de um bom alongamento. 

Simpatizo com a primavera mesmo que ela não seja particularmente gentil para mim (ou assim a recordo nos últimos anos). Custa observar a vida a brotar enquanto se faz luto, de ver tudo florir quando ainda não conseguimos chegar à superfície e florescer. De ver tanta luz pela janela e, mesmo assim, não limpar o céu nublado no peito. 

Penso nisso enquanto faço o meu chá fresco caseiro e vejo as minhas plantas a crescer, as frutas e vegetais do meu vizinho a darem cor à sua varanda (certamente aos seus pratos também, se não se distrair e tiver tempo de olhar para fora). Flores que abrem, crias que nascem. Não há nada de delicado nisto, embora, em toda a sua imagem, entendamos que sim. As amoras que brotam apesar das chuvas, as folhas de manjericão que resistem nos novos vasos onde os realojámos, os relvados dos parques que não cedem apesar das tempestades, os jardins que continuam coloridos apesar dos dias de inverno. A primavera é um testemunho natural do quanto podemos sobreviver ao inverno e renascer se nos atrevermos a proteger o que nos torna delicados, sensíveis. Florescemos sempre, uma e outra vez mais, ao nosso tempo. 

Chega então a hora de reorganizar o guarda-roupa, resgatar os tecidos coloridos, as receitas cítricas, os scones para os desconsolados dias chuvosos, os chás gelados, as sabrinas. É tempo de voltar a nadar, ler ao jardim, sentar na parte de fora dos cafés e restaurantes. De arejar melhor a casa (onde vivemos e onde pensamos), alargar os horários dos planos na agenda, trocar as mantas pesadas pelas mais leves (reservando as primeiras para as noites mais frias), de guardar as pantufas e os pijamas quentinhos e trazer os chinelos e pijamas mais arejados. De agarrar no caderno cheio de flores que comprei em Nova Iorque, perguntando-me onde é que eu estaria quando o escrevesse pela primeira vez – no Porto, na minha casa, num dia de primavera. De fazer máquinas de roupa e estendê-las com mais sucesso. Colorir os nossos livros com cores mais abertas e alegres. Escolher leituras que nos transportam para histórias de renovação ou viagens até ao lado campestre de Itália ou de Inglaterra. De sonhar com as primeiras férias grandes e planeá-las. De barrar mais compotas e queijo creme do que manteiga e beber mais chai latte frio do que quente. 

Aos poucos, também nós vamo-nos expondo um pouco mais à luz, um pouco mais à vida. Aos poucos, vamos largando a mão ao inverno e às tempestades que nos fez passar para estarmos de raízes fortes, delicados e delicadas, apesar.
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Reading...
O meu pai cometeu o gravíssimo erro de me dizer que estava numa livraria no Brasil e perguntar se queria algum livro de edição brasileira. Eis que regressou com uma coleção de livros deliciosa onde estou a guardar a maioria para as férias de verão, mas permiti-me à exceção que tem estado na mesa de cabeceira: Primeiro eu tive que morrer. Daqueles que se lê com o lápis ao lado.

Eating...
Acho que já não fazia scones desde que era sempre eu a selecionada para os fazer e trazer para a escola nos English Day. Fiz a olho e de memória – com tudo para correr mal –, mas não falharam. Quentinhos com manteiga e compota de frutos de vermelhos , só assim fazem sentido para mim.

Playing...
O álbum da Kacey Musgraves, Deeper Well, tem estado em loop cá em casa. É o encontro perfeito entre o folk e o country.

Obsessing...
Não é um hábito de agora – embora a internet esteja ao rubro com isto –, mas colorir tem feito muito parte da rotina. Um hobby que consigo encaixar nos dias de chuva que tivemos e que adoro fazer enquanto vejo um programa de culinária (uma combinação que não consigo explicar, mas que recomendo de coração aberto e olhos fechados). Não tenho nenhuma obsessão com marcas de canetas, em ter todas as cores do arco-íris à disposição ou em fazer desenhos estéticos. Este é o meu momento analógico onde posso desafogar a cabeça, reduzir o tempo de ecrã e sentir o alívio de saber que, na próxima hora, a minha única função é pintar dentro da linha.

Recommending...
A app Tidy para gerir limpezas. Não sou fã de perder um dia inteiro em limpezas frenéticas e eu e o James temos horas e dias da semana diferentes para nos disponibilizarmos às tarefas de casa, por isso, esta app ajudou muito a gerir o tempo investido em limpezas diluído ao longo da semana e na distribuição das tarefas de acordo com as nossas agendas. Selecionamos na aplicação os dias em que estamos disponíveis para fazermos limpezas, tipo de casa e divisões e quanto tempo por dia estamos dispostos a dispensar. A partir daí, a aplicação faz um plano diário do que deve ser limpo nesse dia – sendo que as tarefas podem ser atribuídas (o que dá jeito para que eu não vá limpar algo que o James já limpou, por exemplo). No final da semana, a casa fica toda limpa na mesma, só não dispensámos um dia para o fazer. Para nós, resulta muito bem e sentimos menos cansaço no final da semana.

Treating...
Só descobri depois de começar a nadar cá no Porto que o sítio onde vou tem incluído um circuito de águas do género de spa incluído – antes de me lançarem energias de inveja, eu vou só reforçar que antes disso eu nadava na maior espelunca com água porque era a única disponível na minha cidade. Eu aguentei todos estes anos para merecer esta glória, okay? – e, por isso, no último treino da semana reservo sempre um momento para passar por lá; ajuda-me a encerrar a semana, a diluir as inquietações e a regressar a casa  mais realinhada, com a sensação de que, mesmo que tudo na semana tenha derrapado, tive estes minutos para cuidar de mim.
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1 comentário

  1. Sorrio sempre quando vejo que há novo post no blog e quando vejo a mensagem no fundo da página "P.S: HÁ SEMPRE BOAS NOTÍCIAS AO VIRAR DA ESQUINA" Espero que seja verdade :)

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