MUNDO | Feito à Mão


Quando andava no infantário, tive a sorte de ter uma educadora que nos fazia explorar muito as manualidades. Da costura à cerâmica, passando pela criação de papel reciclado, sujar as mãos, mexer na massa e criar a partir do nada era um registo habitual no calendário, a tal ponto que ainda associo este tipo de artesanatos à infância – e não acho que seja a única. Acredito que vocês poderão ter tido uma experiência semelhante em crianças. 

E agora, a costura, a cerâmica, a pintura e desenho, joalharia (…) têm surgido em força, uma tendência crescente e que tem competido com os ginásios no tempo livre dos adultos. É uma tendência passageira? Cada vez mais acho que não. 

Tal como a grande maioria da população, também eu sofro com a rotina acelerada – especialmente quando misturada com transtorno de ansiedade, um cocktail perigoso -, e sinto que o meu cérebro está sempre no limite. Querer ser tudo, querer fazer tudo. Este comportamento, associado a um mundo cada vez mais imediato e digital, onde tudo é resolvido num ecrã e com dois toques, tem resultado num cansaço e num despropósito de vida que tem assombrado as pessoas na forma de depressão, burn out ou exaustão social. 

O artesanato parece contrariar tudo aquilo que a rotina nos oferece; as coisas são feitas e criadas ao seu ritmo, exigem alguma curva de aprendizagem, mas, acima de tudo, precisam da nossa total concentração. 

Não é ao acaso que todas as atividades feitas à mão têm sido associadas ao mindfulness prático. Quem está nestas atividades, está presente por inteiro – não tem outra opção, se quiser que o seu trabalho corra bem ou se quiser manter-se em segurança. É também por isso que têm sido associados à componente terapêutica que, a título pessoal, compreendo e sinto perfeitamente. Estar numa aula de cerâmica, para mim, é uma terapia prática, em que não me importa tanto o resultado final da peça, mas sim o que aprendi no processo e o quanto de mim consegui colocar lá. Amassar o barro deixa-me num estado de presença e plenitude, mas sei que não sou a única a ‘perder-me’ numa atividade: já ouvi testemunhos semelhantes de quem faz tricô, pinta telas ou cria colares de missangas.

É o regresso em força do ‘feito à mão’, um claro sinal de que cada vez mais procuramos atividades que nos resgatem algumas das sensações da infância, onde o sentido de brincar, aprender e estar presente no momento eram dados garantidos. E se os pudéssemos recuperar? E se pudéssemos arranjar tempo para os resgatar? 

Cada vez mais precisamos de sujar as mãos (que lavam a alma no processo).

5 comentários

  1. Sinto o mesmo. Por acaso há imenso tempo que não pinto acessórios em madeira, mas era mesmo uma terapia.

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  2. Ainda no outro dia passei aqui por uma rua e vi uma turma de mulheres a ter aulas de pintura, já bem tarde, e constatei exatamente o mesmo. E acho maravilhoso estarmos a voltar a esta raiz. Como sempre precisei de impulsos criativos para me manter sã, sempre os fui concretizando, especialmente nas aguarelas e nos desenhos, mas fico imensamente feliz que outras pessoas estejam a encontrar a sua forma de meditação novamente - consigo sentir o teu sorriso sempre que falas de cerâmica! <3

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  3. Este ano, devido a um problema de saúde, tive que ficar de baixa dois meses e aproveitei para aprender ponto-cruz. No meu caso, dá para ir ouvindo um podcast ou vendo uma série mais leve ao mesmo tempo, mas é um hábito que continuei depois de regressar ao trabalho e que não pretendo abandonar. É tão giro ver coisas feitas pelas nossas próprias mãos e podermos oferecer um pouco de nós aos outros.
    Beijinhos!

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  4. Ufaaa... Como tenho sentido falta disso, de sujar as mãos nas tintas. Ainda há uns dias na terapia, criei um diálogo com a minha criança interior com uma pintura. Foi das mais coloridas e bonitas que já fiz, alienando-me desta rotina atarefada dos últimos meses. Recordou-me do porquê de tanto gostar de pintar quando as palavras não são o suficiente! Quero regressar cada vez mais à infância, ao ponto de encontrar um equilíbrio... Saber que existem mais como eu deixa-me mesmo muito alegre! 💛

    Beijocas,
    Lyne, Imperium BlogCongresso Botânico - PodcastLivro DQNT

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