MUNDO | O Riso Feio

Há um riso reservado para o nosso círculo mais privilegiado. Um riso que parece crescer do coração para fora. Não está em capas de revista e é difícil de aferir se o conseguimos encontrar em algum lugar que não entre uma mesa cheia. 

O riso bonito é perfeito; a boca controlada, os melhores dentes à vista (ou convenientemente tapados). As linhas de expressão são criteriosamente selecionadas para exprimir uma emoção que não é genuinamente sentida. Não há rugas a expiração nasalar ritmada controla o cenário idílico de um riso bonito. 

O riso feio é pautado pelo descontrolo. O rosto deforma, os dentes à vista (às vezes, até demais, como que se vingando de tantas ocasiões de comedida presença). As rugas vincam os olhos que brilham sem se ver, escondidos nas duas fendas pestanudas que arqueiam, combinados com uma gargalhada sempre pouco polida e muito embaraçosa. Os mais infortunados têm narizes acordeão e roncos incontroláveis. 

O riso feio é íntimo. Não faz fretes e não se ri de qualquer graça, nem para qualquer pessoa. Sei que fiquei íntima de alguém que estimo quando oiço — e testemunho — o seu riso feio. E sei que posso confiar na pessoa que desperta o meu. 

O riso feio é especial. Denuncia uma alegria contagiante e incontrolável, a bonança depois de uma tempestade de choro que culmina com uma gargalhada à ironia da vida. Demonstra o à vontade em sermos nós sem filtros. Uma cumplicidade inabalável entre quem ri. Não há suavidade no riso feio, de tão puro, honesto e forte que é. Talvez seja por isso que o riso feio é o riso mais bonito de todos.