MUNDO || Felicidade no Sofrimento


Dentro do sofrimento do mundo — que começou desde que o mundo se conhece como gente — vivemos tempos de dor aguda. Ao caos juntaram-se novas incertezas e inseguranças que, qual malagueta no preparado, só destacou ainda mais o que já se sofria. 

Não pode ser ignorado, e não é. E entre tantas correntes de atenção, uma das que mais se destaca é a impossibilidade de sermos felizes perante a consciência do sofrimento do mundo. Como podemos estar contentes, felizes, realizados, num ambiente de caos? Será uma desconexão da realidade que se estende à que conhecemos e controlamos? Egoísmo cruel, que se centra no seu mundo sem olhar para os restantes? Ignorância velada? 

É uma reflexão que convive comigo desde que ouvi, pela primeira vez, a afirmação de que não devíamos ser felizes quando temos consciência do sofrimento do mundo. Convivo cordialmente com essa reflexão desde então — há algum tempo. Até que a clareza do próprio comportamento humano (e dos estudos que, avé cientistas, nos ajudam a clarificar algumas filosofias mais controversas) me ajudou a desatar este nó. De que serve sofrer pelo sofrimento? 

Não há riqueza no sofrimento. Nem aprendizagem. Não aprendemos enquanto sofremos, aprendemos depois de sofrer. Nada mais ocupa a nossa cabeça enquanto sofremos do que os métodos para deixarmos de sofrer. Não há racionalidade, compaixão ou empatia enquanto se sofre porque o sofrimento é privado, íntimo, vazio, egoísta num sentido muito próprio. E como podemos sofrer pelo mundo se o sofrimento é tão individual? Ficamos cegos e desprovidos de métodos psicológicos — e depois físicos e sociais — para ajudar um mundo a sofrer menos. É uma falácia gigante julgar que a empatia nasce do sofrimento. Que só se entende o sofrimento por se sofrer — ou tentar sofrer — da mesma maneira. Mesmo quando há uma razão para se sofrer em comunidade, essa emoção (o sentimento lancinante que nos come por dentro) só nos come a nós. Talvez não seja verdade — e não o é, ninguém sofre sozinho. Mas ninguém se lembra disso quando se sofre. 

Eu escolho ser feliz e consciente do sofrimento do mundo. É a opção mais sã, mas também mais lógica e cientificamente útil. A felicidade traz-nos muitas coisas — e associa-se a outras mais: empatia, realização, motivação genuína e real. A felicidade torna-nos mais abertos para o mundo, mais cidadãos do mundo. Ouvimos mais, compreendemos mais, fazemos mais pelo outro. A felicidade é nossa mas torna-nos mais comunitários. Seria fácil — até romântico, pelo fatalismo — de se pensar que a felicidade é egoísta, mas nunca o foi. Não conheço ninguém genuinamente feliz que não se tenha doado. Somos mais solidários quando somos felizes. Obrigada, ciência. 

Os estudos não mentem, a psicologia também não. Vale a pena ter consciência do sofrimento do mundo — e, mais importante, de fazer alguma coisa por ele, de agir, de não ficar de braços cruzados, de dar o que se pode, dinheiro, tempo, recursos, abraços. O que der para dar. Mas anular a felicidade em prol do sofrimento comunitário não tem nexo nem benefício. No final, é uma maçã envenenada que trincamos a pensar que estamos a salvar o mundo com dramatismo quando, na verdade, nos juntamos ao tão vasto sofrimento que precisa que os felizes o salvem dele.

4 comentários

  1. Penso algumas vezes nisso. De me sentir bem neste meu mundo, na minha bolha, sabendo bem que tanta gente há que não tem o que comer ou não tem um tecto ou água potável. Ou que vive infeliz dentro de quatro paredes. O que fazer? Agradecer, sorrir para o outro, ser gentil. É o meu pouco contributo. Tento ser empática. Mas não vou enfiar a cabeça debaixo da areia. Tenho noção do sofrimento do mundo. Ah, isso tenho.

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  2. Gostei imenso de ler tudo o que escreveste e fez o maior sentido do mundo! Também eu fiquei a refletir e a verdade é que quando estamos no nosso melhor conseguimos ser luz e estar lá para os outros!

    Blog: https://blogandorinhaazul.blogspot.com/

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  3. Tudo o que tu escreveste faz todo o sentido. Não podemos, nem devemos, carregar o fardo do mundo às nossas costas. Quando nos sentimos felizes, conseguimos transparecer essa felicidade e, tal como tu disseste, doá-la. Se nos sentirmos bem, é meio caminho andado para fazer o bem, sem olhar a quem.

    arrblogs.blogspot.com/

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  4. Que reflexão tão certeira... E diria que até bonita de tão real. Já pensei nisto. E também já me senti mal por estar bem, sabendo que alguém possa estar arrasado ... Mas recentemente, aprendi que tem de haver um equilíbrio, porque nem tuuudo está bem, algumas estão, outras necessitam de arranjo. Contudo, isso não implica que não possamos praticar a felicidade, a gratidão, o altruísmo, somente porque o outro lado da moeda pisca para nós. É natural haver baixos, faz parte, mas jamais nos deveríamos sentir condicionados a sermos felizes, pois tal como dizes, é esse sentimento que proporciona beleza e soluções para um mundo menos sofredor!

    LYNE, IMPERIUM BLOG // CONGRESSO BOTÂNICO - PODCAST

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