Ter tempo para nada(r)


Durante a maioria do meu tempo de vida, ‘atleta’ foi uma das palavras que me descrevia – entre outras tantas que foram ganhando contorno na minha existência. Na verdade, fui atleta federada durante mais tempo do que o tempo de vida em que não o fui – embora, em breve, isso deixe de ser verdade. 

Fazer desporto sempre teve uma presença na minha vida enquanto uma atividade que me dava prazer e não enquanto exercício que tinha de cumprir. A disciplina, o esforço e a técnica surgiam como elemento complementar do contentamento que tirava por ter aquela hora para fazer algo que me entusiasmava. 

Crescer deu lugar às máquinas, às salas de ginásio, aos termos ‘cardio’, ‘musculação’, ‘reforço’… tudo coisas que sempre fiz sem nome. E o prazer que tirava na infância de fazer desporto transformou-se na satisfação de encontrar desculpas ou imprevistos (nem sempre intencionais, em minha defesa) para não treinar porque a verdade é que fazer exercício cumpria a sua função de mobilidade, mas não me oferecia nenhuma forma de alegria. Desconfio que, à medida que envelhecemos, esta tendência do ' fazer para cumprir' prevalece sobre muita coisa que, quando mais novos, conseguíamos arrecadar valor de outra forma. 

Faz um ano que voltei à natação. Nado livre, nado por nadar. Não consigo justificar uma década de indecisão para voltar a nadar – as mudanças na perceção de tempo, a faculdade, o início da vida adulta foram, sem dúvida, ótimas distrações –, mas sei que, depois daquela primeira hora na água, ao fim de tantos anos, senti-me invencível por ter seguido em frente com aquela vontade pelo simples propósito de que me faz feliz, acima de tudo. E mais nada. 

Fazer natação é o maior golpe na minha agenda, principalmente num mundo e numa rotina onde sinto – ou sentimos – que não há tempo para nada (incluindo nadar); ao contrário de um treino em casa ou de uma ida rápida ao ginásio à hora de almoço, a natação obriga-me a ser intencional; a preparar a mala, proteger o cabelo, cuidar da pele e dos olhos (porque já não tenho 10 anos), a abrir espaço no meu dia para ter uma hora de nado e um outro tempo de compensação para balneário. Ir à natação é um evento porque assim o requer. Cada vez que marco na agenda este momento, todas as semanas, lembro-me que estou a marcar um momento do dia só para me fazer feliz. Nadar não facilita a minha agenda, o meu espaço social, os meus projetos pessoais. Só me faz feliz. 

É curioso pensar que é dentro d’água que mais respiro. Fora dela, tenho dificuldades em traçar os limites entre o que é o meu pensamento e o que são os insights de tudo o que escuto: das músicas, dos podcasts, das reuniões, das leituras, das coisas que vejo. Sou diariamente distraída entre vozes, reflexões e opiniões, com muito pouco espaço para digerir a minha. Ali, entre braçadas que intuitivamente sabem o que têm de fazer, depois de anos a repetir a mesma técnica, estou em absoluto silêncio e em confronto com os meus pensamentos. 

Por vezes, encontro ideias, conclusões, ângulos novos sobre o mesmo tema. Outras vezes, mastigo alguns momentos, processo informação, oiço como realmente me sinto em relação a determinada decisão ou acontecimento. E outras vezes tenho simplesmente tréguas para não pensar em nada de importante ou particular, em que apenas concluo que o número de braçadas que precisava para alcançar as bandeiras é menor do que quando fazia o mesmo truque há mais de uma década. De como a piscina encolheu quando me parecia um oceano em miúda. Ou de como parecia exigir tanta força para me manter à tona quando estava a dar as primeiras braçadas e agora chego com os pés ao chão. 

Termino todas as minhas sessões completamente esgotada, mais forte, mais rápida, os braços mais capazes, as pernas mais resistentes, com mais pé para as águas que enfrento no quotidiano. Mas o que mais me importa é que termino todas as minhas sessões mais alegre do que quando entrei. E que, ao olhar para a natação na agenda nunca me atravessa o pensamento ‘tenho de ir nadar’ e sim ‘quero ir nadar’. E numa rotina com tantos tenho, adoro ter algo em que quero.
cada vez mais confirmo que o que nos entusiasmava em criança, provavelmente, continua a entusiasmar em adultos - mesmo que em moldes diferentes (source)
Reading...
Happy Place! Tenho intercalado leituras densas com histórias que associo mais ao verão e às narrativas leves e que convivem tranquilamente com as atividades do quotidiano ou momentos de praia. Não espero que mude a minha vida, mas que a entretenha e está a cumprir. 

Eating...
Crepes escandinavos. Temos tendência a associar os crepes mais aos toppings de chocolate e caramelo, ou aos gelados, mas o jeito escandinavo - um pouco de geleia de frutos silvestres e um bocadinho de natas batidas - fica irresistível. Despertei para a semana com saudades de comer esses crepes e recriei-os na minha cozinha. Uma forma de regressar a Estocolmo através do garfo.

Playing...
Sweet Magnolias foi uma recomendação de amiga no verão passado, mas que só agora cativou a minha atenção. Importante: não é a série mais extraordinária do mundo, tem vários pormenores questionáveis e não vai de todo edificar a vossa vida.
É o que se pode considerar uma série de conforto sobre 3 amigas mulheres que navegam as suas vidas pessoais e familiares enquanto decidem abrir em conjunto um spa numa cidade pequena. Vão se estiverem a precisar de algumas histórias água com açúcar para desligar do dia, sem precisarem de uma atenção desmedida para acompanhar a história. Faz-me sentir sempre bem no final.

Obsessing...
Música country. Não minto quando digo que sou eclética nos géneros, sendo que alguns ficam mais adormecidos que outros. O country é um deles e tenho gostado de explorar. É estranhamente eclético, com ritmos mais enérgicos e perfeitos para viagens de carro e outros mais amigáveis das horas na secretária a trabalhar. É um género que associo ao verão e ao bom tempo, portanto, é a época perfeita para ouvir.

Recommending...
A nova funcionalidade de listas do Google Maps. Se costumam marcar locais para visitar no Google Maps com os tradicionais stared ou com os ícones de bandeira, agora dá para personalizarem os ícones das vossas listas com emojis, o que é perfeito para depois visualizarem no mapa os pontos que marcaram de forma categorizada. Se têm viagens planeadas este verão, recomendo muito.

Treating...
Este foi o ano em que consegui, finalmente, juntar-me à Nuvem Vitória, uma associação de voluntariado que lê histórias para adormecer em várias pediatrias de todo o país. Sou uma sortuda por nunca ter sido internada, principalmente em pequena, mas quando houve esse risco (uma vez, muito criança), a primeira coisa que pedi à minha mãe foi o nosso livro de histórias para adormecer. Ouvir uma história antes de dormir foi um ritual construído entre nós duas desde cedo e o meu contacto mais especial com a leitura ainda antes mesmo de saber ler. Os meus dias e rotinas podiam ser um pouco incertos – e os momentos de atenção dos meus pais também - mas tinha a garantia, todas as noites, de que teria uma história para adormecer.

No meio da incerteza pautada por um internamento, apazigua-me saber que também eu posso, agora, oferecer essa certeza a outras crianças, a certeza que me acolheu na infância.
A contar os dias (source)

1 comentário

  1. “Com mais pé para as águas que enfrento no quotidiano” 🥲🥹💙

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