A promessa do meu verão


O verão é a minha promessa preferida. Sempre prometeu que seria interminável. Nunca o cumpriu. Raras vezes me importei. 

Nunca me esqueço do protetor solar e das expetativas quando procuro o meu fiel saco de praia, companheiro que guarda sempre surpresas do verão passado. Um pouco de areia, um pouco de praia nos cantos. Uma revista já sem relevância que não sobreviveu ao tempo em que tudo se reinventa. Um acessório que já não me recordava de ter – fica tão bem com os planos que estão por vir. 

Do antigo verão que, agora, só consigo recordar através de fotografias – umas das quais não me recordo sequer de existir, outras já tiradas por mim - sou transportada para a nostalgia do que realmente era interminável: os dias, as horas da digestão, o momento em que podia voltar a comer outro gelado, a viagem em família programada, a sétima onda. O tempo até ao próximo verão.

Agora, o verão traz-me a desrotina. Um compasso sem horário, num andamento que consigo acompanhar, onde quebro as regras que inventei. Os sons que me despertam vêm da janela. Há um improviso para cada dia e a agenda em branco não assusta. Perguntar ‘onde queres ir?’ nunca foi tão bom. Talvez mais delicioso seja saber o que responder. É nesta desordem ao sol que se faz gosto para o resto do ano com alegria – e não há como fugir dela: estejamos estendidos na toalha ou abrigados nas nossas sombras, todos apanhamo-la.

Há um mar no meu verão que cresceu comigo. Sinto-lhe o gosto sem tocar ainda na areia – somos velhos amigos. É um mar gelado, onde lhe reconheço pouca calma e muita rebentação. Há um ritual onde quem mergulha tem de ir inteiro. Não é um mar para cobardes, diz-se. E não é mesmo. Quem lhe volta costas, cai na areia em chicote. Não se nada na indecisão. Sabemos que o mar traz boas lições. Quando não faz marinheiros, faz bravura. Que aborrecimento é um mar onde qualquer um pode entrar.

Do meu verão registo tudo, pouca coisa com o telemóvel e muita com a memória – aquela que nunca se esgota e que, ainda na minha idade, pouco tem como me trair. Na minha memória há sardas, cabelos enriçados, ritmos que dão tom às viagens, jantares às horas em que costumo dormir, sonos em horas a que costumo acordar. Tem a cor das roupas, dos olhos das minhas pessoas preferidas, dos cabelos mais claros, das peles mais escuras, das bandeiras. Tem rugas, muitas rugas. Rugas de risos, rugas do reflexo ao sol. 

Ainda não sei como captar as minhas coisas preferidas do verão. O perfume que parece durar mais tempo, o som dos chinelos e sandálias, o cheiro da roupa lavada nos estendais e dos talheres nos almoços à varanda. Das andorinhas em valsa nos telhados terracota. Há coisas que um ecrã não resgata, sons que têm outro encanto quando não temos como os voltar a reproduzir. Como se regista uma surpresa, uma reviravolta? Ainda não há como registar um sabor de outra maneira que não apenas recordá-lo: saber na ponta da língua. 

Os dias alargam-se, conspiram a nosso favor. Há tanto verão para viver e tanto a viver no verão. Um tanto que não chega, sobra sempre para o próximo. É o que mantém a promessa viva, o que dá voz ao consolo “Não faz mal. No próximo verão, não nos escapa.” Pouco importa se escapa ou não, na realidade. Importa que há um próximo verão.

3 comentários

  1. Como eu amo o Verão e o mar gelado (e rebelde) do Oeste ❤️ E que bom estares de volta!

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  2. E onde é que fica o coração depois de ler um texto destes? Amparado eternamente nessas palavras deliciosas, de regresso e futura nostalgia. Ai, que bom poder ler-te novamente neste formato! 😭🥹🫶 o verão é uma casa da qual não se quer sair, por muito que se anuncie já com uma data de término. Ainda assim, é um abraço que nunca se esquece! 🌊

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