Vamos falar sobre saúde mental - Parte II


Esta é a segunda parte da minha conversa com a psicóloga Dalila Melfe sobre saúde mental – podem aceder aqui à primeira parte. Introduzido o tema da saúde mental e da importância do/a psicólogo/a, nesta segunda parte iremos falar sobre expectativas na 1ª consulta, terapia de grupo, más experiências com psicólogos (e como ultrapassar), o acesso dificultado das consultas de psicologia, entre outras questões finais. 

Geralmente, as consultas de psicologia duram 1 hora: o que é que se pode abordar nesse intervalo de tempo? 

Há sempre presente uma linha condutora. Por norma, mediante os objetivos do/a cliente de aspetos a trabalhar, sabemos quais os tópicos a abordar em cada consulta. 

Por isso, é variável o que pode ser abordado numa hora, mas o expectável passa por abordar como correu o período desde a consulta anterior, analisar planos de ação (que são as tarefas a fazer em casa) e debater os objetivos da sessão, que poderão ser sugeridos pelo/a psicólogo/a ou pelo/a cliente. 

A terapia de grupo tem crescido cada vez mais nos últimos tempos. Na tua opinião, identificas diferenças de abordagens e resultados entre a consulta individual e a consulta com um grupo de pacientes? 

Já tive oportunidade de dinamizar sessões em grupo e posso dizer que achei fantástico. Conseguem-se ganhos extraordinários quando se trata de um grupo que está realmente disposto a partilhar o que sente e a abrir a porta a esses sentimentos no geral. 

Implica, ao nível da gestão, uma tentativa de garantir que todas as pessoas presentes conseguem colher frutos e ver os seus objetivos para a sessão cumpridos, não descurando os de ninguém no processo e o envolvimento de cada pessoa é sempre crucial e muito enriquecedor. 

Todavia, reconheço que esta pode não ser a abordagem indicada para todos nós, uma vez que podem existir preferências pela abordagem individual e está tudo bem. Felizmente, há espaço para todos e existe certamente oferta de serviços que vá ao encontro do que cada um de nós precisa. 

Fala-se muito, hoje em dia, de red flags (alertas vermelhos para certos comportamentos nas pessoas); na tua visão profissional, que ‘alertas vermelhos’ de má prática clínica é que os pacientes devem ter em atenção? 

Antes de mais, quando a formação do/a profissional não é clara em nenhum meio de divulgação e/ou ele não se encontra no diretório da OPP, é uma grande red flag porque podemos não estar a falar de um psicólogo. A formação é essencial para o desempenho das funções e a inscrição na OPP é obrigatória para o exercício da prática psicológica, daí este constituir o primeiro passo. 

Também o cumprimento pelos princípios do Código de Ética e Deontologia devem estar sempre presentes, nomeadamente ao nível do respeito pela pessoa como um todo, exercendo a prática de forma competente e responsável, com integridade e beneficência (e não maleficência). Importa também frisar a confidencialidade e privacidade dos dados, que é algo muito questionado em contexto de consulta (e a qual é quebrada, sim, apenas quando existe risco de dolo para a pessoa ou terceiros). 

Além disso, a importância da escuta ativa e da postura empática (permitir à pessoa ser realmente ouvida e compreendida), validando as emoções e sentimentos do outro e permitindo à pessoa expressar-se no seu tempo. 
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reforço que se existir algo que sintamos não estar de acordo com as nossas expectativas, é importante debater isso com o próprio profissional para que possam ser feitos ajustes sempre que necessário. 

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Há quem não tenha tido uma boa experiência com psicólogos, no passado, e tenha receio em tentar de novo. Como ultrapassar este medo e voltar a confiar a nossa vulnerabilidade a um/a profissional? 

A verdade é que o psicólogo é também uma pessoa e, ainda que ela tenha sempre presentes os aspetos referidos atrás, podem surgir múltiplas razões pelas quais possa ter corrido mal: não haver identificação de parte a parte, não ser o modo de intervenção adequado naquele momento, etc. 

Em primeiro lugar, reforço que se existir algo que sintamos não estar de acordo com as nossas expectativas, é importante debater isso com o próprio profissional para que possam ser feitos ajustes sempre que necessário. 

Se esses ajustes não forem suficientes, não existe nada de errado em mudarmos de profissional se assim entendermos. A verdade é que podemos, de facto, não ter uma conexão imediata com alguém só porque se trata de um psicólogo. As expectativas podem ser elevadas, porque é alguém que está ali para ajudar. E está, mas pode não ser a pessoa indicada e isso não quer dizer que não exista ninguém indicado, pelo contrário! 

Pessoalmente, quando me chegam pessoas que já tiveram outros acompanhamentos prévios, eu questiono sempre o porquê de ter terminado e o que retiraram desse acompanhamento. No fundo, procuro saber quais as necessidades da pessoa para saber como lhe dar resposta. Sermos honestos nestes aspetos para com um novo profissional pode ser a chave para melhorar esse acompanhamento a priori
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foram surgindo bastantes profissionais com serviços de consulta inclusiva

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Precisamos de endereçar o elefante na sala: a psicologia ainda é uma área da saúde com acesso condicionado a quem tem poucas condições sociais e económicas? 

Na maioria dos casos, sim. Na verdade, por trás do valor das consultas está todo o investimento do profissional. Um psicólogo tem de estar em constante formação: licenciatura e mestrado são só o começo. A partir daí vêm formações, workshops, cursos, pós-graduações… enfim, já perceberam. 

No entanto, ao longo dos confinamentos, foram surgindo bastantes profissionais com serviços de consulta inclusiva, ou seja, consulta a preços mais baixos para quem dissesse não ter possibilidade de pagar o valor praticado pelo profissional e, por norma, existe alguma abertura a esse nível. 

Existem dicas ou pontos de contacto a que as pessoas possam recorrer para ter consultas de psicologia a um preço mais comportável? Mesmo que não estejam desempregadas, mas não consigam cobrir os custos habituais das consultas? 

Sim. Pessoalmente, pratico a modalidade de consulta inclusiva em que, mediante a minha disponibilidade de agenda, aceito marcações a preços mais reduzidos quando apresentados os motivos pelos quais as pessoas referem ter dificuldade em pagar o valor que habitualmente pratico. 

Além de mim, existem outras formas, nomeadamente: 
SNS24 – Linha de Apoio Psicológica: 808 24 24 24 (tecla 4) 
Voz de apoio (das 21h às 24h): 225 506 070, sos@vozdeapoio.pt 
Conversa Amiga (das 15h às 22h): 808 237 327 

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o nosso diálogo interno é, naturalmente, autocrítico e mudar o chip de forma a sermos mais compassivos parece uma realidade distante. 

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Existem alguns exercícios de autocuidado e desenvolvimento que possam ser feitos de forma gratuita para as pessoas iniciarem o seu contacto com as emoções e pensamentos? 

Claro que sim! Há uma tríade essencial: higiene de sono, prática de exercício físico e uma alimentação equilibrada. Estes são os pilares e agora cabe-nos juntar a vertente social: rodearmo-nos de pessoas que nos façam sentir bem e que tragam ao de cima o melhor de nós. Não obstante, praticar tarefas prazerosas como ver uma série, cozinhar, cuidar de plantas, usar uma máscara facial… aquilo que cada um considerar como relevante para si próprio. 

Além disso, um aspeto fundamental e muitas vezes descurado: a autocompaixão. A autocompaixão passa por cuidarmos de nós e darmos a nós próprios/as as palavras doces que daríamos a um/a amigo/a. Fazê-lo para connosco parece um desafio acrescido uma vez que, afinal, o nosso diálogo interno é, naturalmente, autocrítico e mudar o chip de forma a sermos mais compassivos parece uma realidade distante. 

A dica é: sempre que a nossa vozinha interna nos disser algo, reparar o tom em que o diz e qual o intuito: cuidar ou criticar? Se for criticar, questionar se aceitaríamos isso de alguém e, se a resposta for não, questionar porque o aceitamos de nós mesmos e procurar mais gentileza nas palavras, não só para com os outros, mas, primeiramente, para connosco. 

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permitindo que elas façam parte da nossa história, sendo apenas isso: parte da nossa história

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Dalila, há cura para as coisas más que sentimos? 

A vida não é nem pode ser unicamente boa, nem unicamente má. A verdade é que as experiências boas fazem parte da experiência humana, tal como as menos boas e até as dolorosas. Não existe uma cura milagrosa para deixarmos de sentir coisas más: elas existem e nenhum de nós está isento de as viver. 

Há, porém, formas de treinar a nossa visão das coisas no geral e de, gradualmente, conseguir encará-las como menos más, distanciado-nos delas e permitindo que elas façam parte da nossa história, sendo apenas isso: parte da nossa história, tal como tantas coisas boas também constam na narrativa. Todas as situações pelas quais passamos têm influencia em nós e quem somos é, certamente, uma súmula de tudo aquilo porque já passámos e pelo que vamos passar também. 

Não conseguimos controlar aquilo porque já passámos, mas conseguimos gerir e integrar em nós essas experiências de forma adaptativa, analisando o que retirar de cada situação. No fundo, não existem emoções más ou negativas e isso é algo que muitos autores têm vindo a preconizar. As emoções e os sentimentos fazem parte da experiência humana e perante algo triste é normal e adaptativo eu sentir-me triste. É importante, sim, gerir essas emoções e arrumá-las nas gavetas das cómodas de que falei. 

No fundo, a hipotética cura passa por ter a casa arrumada para que, em situações adversas, eu saiba como lidar e gerir o que se passa dentro de mim e como agir para me sentir melhor, independentemente de um contexto que poucas vezes se controla.

na terceira parte...
Falo sobre a terapia na lógica de paciente, como foi encontrar a profissional certa para mim e a minha experiência desde então.

acerca de… 

Psicóloga Dalila Melfe 

Dalila Melfe [CP 25204] é licenciada em Psicologia com mestrado em Psicologia Clínica e da Saúde e pós-graduação em Gestão de Recursos Humanos. Atualmente, presta consultas de psicologia para jovens adultos, adultos e adultos maiores no seu consultório na Covilhã e online para todo o país. 

Onde podes encontrar? 

Para marcações de consulta com a psicóloga Dalila Melfe (mediante disponibilidade de agenda da própria):
E-mail: dalilamelfe@gmail.com

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