Vamos falar sobre saúde mental - Parte I


Saúde mental. É um dos temas que mais tenho recebido pedidos para abordar, ultimamente; como tem sido a jornada terapêutica, como encontrar o profissional certo, o que é que se passa quando passamos as portas de um consultório? E precisamos de falar sobre saúde mental, precisamos muito. 

Foi por isso que convidei a psicóloga Dalila Melfe para responder a todas as questões que não só foram deixando ao longo do tempo, entre mensagens, mas também na caixa de perguntas que vos disponibilizei. Esta será uma série de 3 artigos, sendo os 2 primeiros a minha conversa com a psicóloga Dalila dividida em 2 partes e a última um testemunho meu, na lógica de paciente. Espero que este conteúdo vos seja útil e relevante. Sintam-se à vontade para deixar questões adicionais nos comentários, se as tiverem. 

É impossível começar por abordar este tema da psicologia sem fazer uma pergunta fundamental: a quem se destina a consulta de psicologia? 

Há uns anos, o expectável era que as consultas de psicologia se destinassem unicamente a pessoas em sofrimento agudo, com o propósito de encontrar estratégias para lidar com essa situação única que pudessem, então, ser generalizadas a outras situações-gatilho. Neste momento, aquilo que sinto é que as consultas de psicologia se destinam a toda e qualquer pessoa que queira (e possa) investir em si e no seu bem-estar psicológico. 

A verdade é que desde que vivemos os confinamentos estamos, no geral, muito mais alerta para a importância do nosso bem-estar. Para além de continuarem a surgir em consulta situações agudas que, por norma, estão relacionadas com problemáticas que foram sendo arrastadas durante n tempo, existem também pessoas que procuram acompanhamento psicológico para poderem trabalhar na sua própria identidade, não havendo um trigger específico ou algo tradicionalmente associado ao ato de procurar ajuda. 

No fundo, tem vindo a aumentar o número de pessoas que se quer conhecer melhor e melhorar a sua relação consigo próprias e acho isso de extrema importância, porque só assim conseguimos também melhorar a relação com os outros e com o mundo com bases sólidas em nós mesmos. Do ponto de vista de públicos-alvo, as consultas destinam-se a todas as idades: infância, adolescência, jovens adultos, adultos e adultos maiores (que é a nomenclatura adequada para idosos), sendo que, pessoalmente, trabalho essencialmente com jovens adultos, adultos e adultos maiores. 

"
costumo vislumbrar as consultas (...) como uma sala com cómodas e com as gavetas todas tiradas, e o objetivo em consulta passa por ir arrumando a nossa própria bagagem nas respetivas gavetas.

"
Uma das dúvidas mais recorrentes é perceber quando é que devemos ir a uma consulta de psicologia. Devemos pedir ajuda quando estamos numa fase mais fragilizada ou existem benefícios em começar a terapia mesmo sem nos ‘sentirmos mal’? 

Muitas pessoas acabam por ir adiando a consulta ao longo do tempo pelo estigma que ainda existe. Então, diria que a maioria das pessoas que procura ajuda está, de facto, numa fase mais fragilizada em que pequenos gatilhos se foram acumulando, deixando de ser pequenos. 

Por outro lado, como referi na questão anterior, existem pessoas que acabam por procurar acompanhamento psicológico quase numa forma preventiva, segundo uma linha de raciocínio do género: “eu acho que isto me pode influenciar negativamente, então quero ajuda para saber gerir de forma adaptativa” ou “eu já tive fases muito más (…) agora que me sinto bem, quero saber como agir se me voltar a sentir dessa forma” (sendo que estas citações têm uma dose de veracidade, tendo-me sido ditas por dois clientes que me procuraram em momentos em que sentiam que podiam investir neles). 

"
muitas vezes, aquilo que traz as pessoas à consulta é algo que não é passível do seu controlo, ou seja, nem sempre é algo que consigamos mudar.

"
Como é que um/a psicólogo/a consegue ajudar-nos? Quais são os benefícios da terapia? 

Aquilo que eu vou dizer aqui é algo que eu refiro sempre numa primeira consulta: não há curas milagrosas nem mudanças da noite para o dia. Qualquer que seja o motivo pelo qual alguém procura acompanhamento psicológico, trabalhar nele requer sempre trabalho (passo a redundância) de parte a parte. 

Por parte do/a cliente, implica explorar sentimentos e emoções que podem ser dolorosos, bem como abertura para explorar também o que pode estar por detrás dessa dor. 

Da parte do/a psicólogo/a requer uma escuta ativa e empatia que permitam à pessoa saber, com total confiança, que está a ser ouvida sem julgamentos; além disso, através desta postura, o profissional procura e sugere estratégias que permitam mudar a realidade (quando possível) ou vê-la de forma que não cause o sofrimento que tende a causar. Muitas vezes, aquilo que traz as pessoas à consulta é algo que não é passível do seu controlo, ou seja, nem sempre é algo que consigamos mudar. Nesses casos, importa perceber como podemos integrar essa situação inalterável na nossa narrativa e viver com ela sem sofrimento, sabendo que está na nossa vida, faz parte de nós e aceitando-a como tal. 

No fundo, de forma resumida, os benefícios passam por um clarificar da nossa bagagem (como lhe costumo falar) e um “arrumar a casa”, com estratégias para melhor lidar connosco próprios, com os outros e com o mundo no geral. 

Costumo vislumbrar as consultas (as dos meus clientes e, por vezes, também as minhas) como uma sala com cómodas e com as gavetas todas tiradas, e o objetivo em consulta passa por ir arrumando a nossa própria bagagem nas respetivas gavetas. Se o fazemos nas nossas casas, porque não fazê-lo também na nossa mente? 

"
vamos quando e porque precisamos, porque nos faz sentir bem e isso basta.

"
Embora o digital tenha sido fundamental para quebrar certos tabus sobre a saúde mental, a verdade é que, no dia a dia, ainda existem alguns preconceitos e rostos de preocupação ou desconfiança quando se diz que se vai ao/à psicólogo/a. Para muitas pessoas, esse preconceito existe até no próprio seio familiar. Como lidar com isso, se for algo que fragiliza a pessoa ou a desmotiva de marcar uma consulta? 

Mais uma vez, sinto que esse panorama está, a pouco e pouco, a mudar, sobretudo nas camadas mais jovens. Acabo por ter conhecimento de grupos onde se fala sobre ir ao psicólogo de forma tão corriqueira como falar de ir ao ginásio, ao dentista ou às compras: vamos quando e porque precisamos, porque nos faz sentir bem e isso basta. Porém, seria naïf dizer que isto acontece em todo o lado e com toda a gente. 

A verdade é que é uma decisão de cada um partilhar ou não essa informação sobre si. Falar abertamente sobre ir ao psicólogo contribui para o desmistificar do tabu, mas ninguém é obrigado a partilhá-lo aos sete ventos, e está tudo bem! 

Da mesma forma, é (ou deveria ser) decisão de cada pessoa se quer ou não beneficiar de acompanhamento psicológico. Muitas vezes acontece ser a própria pessoa a pagar as consultas e mesmo assim ouvir opiniões de familiares (e não só) acerca da importância (percecionada) das consultas de psicologia e, outras tantas vezes, existem pessoas que querem e precisam das consultas, mas, por diversas razões, se encontram dependentes de familiares para poderem beneficiar desse apoio. Nestes casos, importa atuar ao nível da informação: passar a palavra sobre o papel do psicólogo, a importância das consultas e o porquê de naquele momento fazerem sentido. Essa é a parte que controlamos e é essencialmente aí que podemos atuar. 

Para facilitar o processo de procura da/o psicóloga/o certa/o e de marcação da consulta, tens alguma dica que possa ajudar quem esteja nesta fase? 

Algo extremamente importante a ter em conta é garantir que o profissional é, de facto, profissional reconhecido e creditado pela Ordem dos Psicólogos Portugueses (OPP). 

Só pode exercer psicologia aquele/a que tem formação na área (licenciatura + mestrado, ou mestrado integrado) e é membro efetivo da OPP. Essa informação pode ser consultada no diretório da Ordem

Além disso, existem atualmente muitos profissionais a divulgar os seus serviços online (tanto em contas profissionais no Instagram, como em páginas no Facebook), sendo que esta poderá ser uma forma de percebermos se nos identificamos ou não com a pessoa. 

"
no fundo, tento colocar-me no lugar do/a cliente e perguntar a mim mesma “quais as questões que gostaria de ver respondidas?”

"
Arrisco assumir que uma das razões pelas quais muitas pessoas adiam a marcação de uma consulta é o próprio medo do desconhecido. O que é que se pode esperar de uma 1ª consulta de psicologia? Como funciona? 

Eu costumo dar todas as informações necessárias logo no início da primeira sessão e permitir alguns momentos para esclarecimento de questões pré-concebidas que possam existir. No fundo, tento colocar-me no lugar do/a cliente e perguntar a mim mesma “quais as questões que gostaria de ver respondidas?” e dou-lhes resposta, dando também resposta a quaisquer outras que surjam. 

De início, explico os pontos relevantes que regem a prática do psicólogo e que estão preconizados no Código de Ética e Deontologia da OPP, falo sobre a minha orientação terapêutica (cognitivo-comportamental e integrativa, no caso, sendo que existem ainda a orientação sistémica e a psicanalítica) e falo ainda um bocadinho sobre o processo em si. Qual a duração e a periodicidade esperada das sessões, valores, tarefas que possa pedir entre consultas, etc. Clarifico ainda as formas de tratamento e as possibilidades de contacto entre sessões. 

Após esse ponto inicial, começo a explorar o motivo que trouxe a pessoa até ali e o porquê de vir naquele momento. Por norma, toda a consulta se desenrola em torno destes pontos. 

Outra razão que desmotiva muitas pessoas a avançar com uma consulta é a ideia de exporem momentos da sua vida ou pensamentos que as deixam vulneráveis. Como podemos ultrapassar essa barreira e sentir mais conforto em falar sobre as nossas vulnerabilidades com alguém ‘desconhecido’? 

O feedback, por norma, é que acaba por ser muito natural e confortável falar com um/a estranho/a, uma vez que é alguém sem qualquer viés acerca de nós e da nossa vida. Não há julgamentos e existe uma validação da pessoa pelo que ela é, independentemente do que ela possa ter para dizer. Acredito que estes possam realmente ser os dois aspetos cruciais, além da escuta ativa e da postura empática que caracterizam o psicólogo. É certo que existem sessões mais dolorosas onde são abordados temas que, por norma, gostamos de protelar para “um dia”. 

Da minha parte, deixo sempre claro que a última palavra é do/a cliente, ou seja, é ele/a quem decide se quer/está preparado para abordar determinada temática. 

Acontece n vezes eu questionar algo e a pessoa (ainda) não se sentir preparada para enfrentar a dor que pode advir daí. O que faço nesses casos é explicar o porquê de me parecer importante ir por esse caminho e sugerir à pessoa para refletir se lhe faz sentido e, se sim, então pedir para se preparar para falar disso em consulta, num clima seguro e onde terá o acompanhamento necessário para se permitir a ‘tocar na ferida’. 

Todos temos ritmos e predisposições diferentes, e está tudo bem. Se estivermos dispostos a caminhar em determinado sentido, não interessa a velocidade, interessa caminhar em segurança, e é isso que é suposto acontecer em consulta, sempre. 

"
a verdade é que há coisas que nunca vão deixar de doer e seria muito utópico dizer o contrário.

"
A maioria das pessoas começa um plano de consultas alinhado com a/o psicóloga/o, com uma frequência definida. Todas essas consultas serão ‘difíceis’? É suposto a consulta deixar-nos desconfortáveis e tocar sempre nas nossas ‘feridas’? 

Da minha experiência (tanto pessoal, quanto profissional), não. Existem consultas que doem; falar sobre algo que nos magoa muito e, muitas vezes, há muito tempo, dói. Contudo, não é sempre assim. 

As primeiras consultas, por norma, são de exploração da história de vida da pessoa: tentar perceber quem ela é, o que valoriza, o que gosta e pelo que se interessa; quais as suas dores, de onde vêm e há quanto tempo as vê dessa forma. No entanto, ultrapassada a fase de exploração, o objetivo é fazer com que doa um bocadinho menos. 

A verdade é que há coisas que nunca vão deixar de doer e seria muito utópico dizer o contrário. Hás coisas que nos irão acompanhar para todo o sempre como algo que nos magoou muito no passado, e é normal se conseguirmos integrar essa dor nesse mesmo lugar: no passado, e nos permitirmos aceitar que vivenciámos essa situação, com esse grau de dor, mas que esse sofrimento não nos define. Nós não somos esse sofrimento mesmo que tenhamos vivido e experienciado essa situação dolorosa. 

O desafio é conseguir ter esta flexibilidade cognitiva que separa quem somos daquilo que vivemos. 

na segunda parte...
Iremos falar sobre expectativas na 1ª consulta, terapia de grupo, más experiências com psicólogos (e como ultrapassar), o acesso dificultado das consultas de psicologia, entre outros temas. Esperemos que nos continuem a acompanhar nesta conversa.

acerca de… 

Psicóloga Dalila Melfe 

Dalila Melfe [CP 25204] é licenciada em Psicologia com mestrado em Psicologia Clínica e da Saúde e pós-graduação em Gestão de Recursos Humanos. Atualmente, presta consultas de psicologia para jovens adultos, adultos e adultos maiores no seu consultório na Covilhã e online para todo o país. 

Onde podes encontrar? 

Para marcações de consulta com a psicóloga Dalila Melfe (mediante disponibilidade de agenda da própria):
E-mail: dalilamelfe@gmail.com

1 comentário

Partilha comigo o teu comentário ou opinião sobre este artigo. Sempre que possível, respondo às perguntas diretamente no comentário. Obrigada por estares aqui :)

Desde 2014

Instagram


P.S: HÁ SEMPRE BOAS NOTÍCIAS AO VIRAR DA ESQUINA
_______________________
Bobby Pins. Theme by STS.