Como um bloco cinzento de massa porosa, fresca e moldável transforma-se naquilo que quisermos. A cerâmica entrou na minha vida de uma forma tímida e despretensiosa; começou com um workshop de aniversário no ano passado, convicta de que seria uma experiência isolada, só para saber como era, mas rapidamente dei por mim a tentar conciliar a agenda com os ateliers disponíveis para voltar a colocar as mãos na massa — ou, neste caso, no grés.
Não foi um momento Eureka de talento escondido ou de encontro de um propósito. Não trabalho o barro com vista a vender peças ou de fazer desta arte um negócio. Na verdade, não existem grandes palavras para descrever esta minha vontade de pousar a tote bag no bengaleiro e sentar na minha cadeira de madeira a não ser... brincar.
Aprender cerâmica é aprender a lidar com a imperfeição. Trabalhos manuais nunca foram o meu forte — costumo dizer que as minhas mãos só sabem escrever e driblar, e este último nem sempre é garantido — mas ainda existe dentro de mim aquele bichinho que não quer fazer má figura. Terminar as aulas e deixar o copo torto, o prato irregular ou a chávena tosca na prateleira com o meu nome ainda é um exercício de paciência. Mas o mais bonito da cerâmica é que tudo é possível. Das nossas mãos pode sair qualquer coisa, e o que é feio para nós é lindo para os outros. Tudo tem solução no barro: nada fica perdido, nada é tarde demais, nada é irreparável. Um pouco de água, um pouco de esponja, um pouco de barro, um pouco de paciência e começa-se de novo. Às vezes, gostava que as minhas inseguranças fossem de barro.
Encontro na cerâmica, no manipular do barro, um efeito terapêutico que já tinha encontrado de forma muito subtil na culinária mas que, pela minha frustração e impaciência para ter a receita terminada, não conseguia tirar a meu proveito. Aquelas duas horas de aulas de cerâmica são verdadeiramente minhas e totalmente focadas no processo — se deixarmos os pensamentos voarem, a mão distrai-se. Entre moldes e técnicas, há tempo para ir buscar uma chávena de chá de maçã e canela na mini-cozinha, conhecer as restantes alunas que estão nesta aventura comigo (que saudades de conhecer pessoas novas!) ou para apenas desfrutar do silêncio com a música de fundo a tocar, sem necessidade de inventar assunto quando a concentração fala mais alto.
Há aqui uma rotina muito infantil que eu sinto que perdemos em adultos. O de não saber fazer e ter de aprender com paciência. De ter uma hora marcada e um lugar habitual. De sujar as mãos e brincar com a massa sem medo de dar errado, de experimentar ideias ou técnicas com o reforço positivo das professoras — que veem sempre uma beleza nas nossas peças que o nosso perfecionismo adulto insiste em toldar. De deixar o material arrumado e arrumar as peças num cantinho para ir buscar depois. Sem tecnologia, sem teste final, sem a filosofia das 10,000 horas para se ser o melhor. Fazer só porque nos diverte. Tinha saudades de ter um hobby que verdadeiramente despertasse este sentimento que perdemos à medida que crescemos.
Saio de cada aula calma e muito orientada, com um carinho pelas peças que criei que nenhuma pessoa vai conseguir ver no resultado final, e ansiosa pela próxima. Entrei no mundo da cerâmica na brincadeira e descobri um refúgio.
Eu adoro cerâmica de autor, sigo muitas contas no insta e adorei saber que tens essa faceta.
ResponderEliminarBeijinhos
Muito fixe!
ResponderEliminarTambém gosto muito de todo o trabalho de bastidores de uma peça de cerâmica. É incrível.
Estou há alguns meses para colocar um artigo no blogue com algumas fotografias sobre uma das fábricas mais conhecidas aqui na ilha. Pode ser que saia nos próximos dias.
No entretanto, se quiseres ver, coloquei um vídeo no YouTube em Janeiro (deixo-te o link aqui), desta mesma fábrica, que decidi ir fotografar e filmar nos últimos dias de 2020 e início de 2021.
Bom fim-de-semana.
As coisas imperfeitas também são bonitas e têm o seu valor :)
ResponderEliminarBeijinhos