Adeus: As despedidas eternas são sempre duras e este foi o ano em que testemunhei algumas. Em alguns momentos, fui o ombro de suporte. Noutras... Não tenho estrutura emocional nem desonra profissional para as descrever. A minha bata branca (ou verde, neste caso) secou muitas lágrimas de frustração.
Cá dentro: O verão foi feito de pequenas escapadelas no nosso país: Pampilhosa, Cinfães, Aveiro e Serra da Estrela foram alguns dos lugares onde encontrei sossego, descanso e esconderijos idílicos para banhos refrescantes e leituras ao sol.
Cinco: O meu número preferido. Uma mão cheia de amor que eu tenho a sorte de partilhar com alguém que quer construir uma história comigo. Não foi um ano fácil para um namoro à distância, mas aqui estamos, mais companheiros do que nunca.
EPI: Durante uma grande fatia de 2020, senti-me completamente descaracterizada. A maior parte dos meus dias foram passados dentro de equipamentos agonizantes que apenas revelavam os olhos. Os fins de semana não representavam apenas descanso mas também liberdade identitária, onde podia vestir aquilo que me representa, onde conseguia ver o meu rosto e as minhas feições no reflexo. Foi o ano onde nunca falei tanto com os olhos e onde tentei expressar a minha humanidade em trajes desumanizantes.
Família: Não há ano da minha vida que não seja um ano de família. De todas as coisas que fui privada pela pandemia, a que mais acho imperdoável foi o tempo que perdi afastada dos meus avós. Por isso, em cada encontro responsável, aproveitei todos os segundos. Assim como o tempo que pude passar com todos os restantes membros.
Mudança: Adaptar foi a palavra-chave, entre rotinas, empregos e dinâmicas sociais. Não sou aversa à mudança mas também valorizo a rotina. Encontrar o equilíbrio foi fundamental para encarar cada transformação com otimismo e cautela.
Mulher: Este ano, fui filmada e perseguida por um homem. Um cenário de horror que terminou de uma forma muito positiva graças a uma força que desconhecia dentro de mim que me permitiu ser mais veloz do que o monstro. No entanto, não acho que positivo seja a palavra certa para descrever um cenário que nunca deveria ter acontecido e que arruinou muitos momentos da minha rotina, locais que considerava seguros e familiares. Fez-me também pensar na minha identidade enquanto mulher. No quanto tenho de "tolerar" impulsos e desejos indesejados só porque nasci sem cromossoma Y. No quanto sou objetificada, na violação que é saber que existe um monstro com um registo não autorizado meu. Que tive de correr pela minha vida. Ser mulher não é nada do que me ensinaram na escola, não é nada do que está nos livros, nas revistas. Ser mulher é só ter liberdade porque temos sorte em nascer neste país ou por nos cruzarmos apenas com um certo tipo de pessoas civilizadas. Percebemos o quanto ela é frágil quando tens de correr como nunca antes correste, sem olhar para trás e com instinto total de sobrevivência. E mesmo assim... eu amo ser mulher.
Saudade: Este foi o ano onde tive as saudades mais inesperadas — como, por exemplo, de comer um frango de churrasco em take-away, ou passear na rua. Fiz uma lista, na quarentena, de tudo o que tinha saudades e queria fazer quando as coisas acalmassem. Já consegui cumprir algumas!
Sevilha: Ainda numa outra realidade, Sevilha foi o destino para uma viagem em família como ainda não se tinha realizado. Terminou de uma forma muito triste — fomos assaltados — mas nem isso nos impediu de olhar para trás e percebermos que foi uma viagem muito especial e onde os meus avós estavam radiantes por poder conhecer mais mundo ao lado dos netos.
Varanda: O lugar de 2020. Que já era um espaço acarinhado da casa mas que ganhou toda uma nova dimensão num ano de clausura. Os banhos de sol, os pequenos-almoços, as sestas com a Belka, os almoços. Tudo na varanda, na nossa janela para o mundo. Sempre foi o meu sítio preferido da casa e, este ano, foi o lugar preferido da família também.
Vestidos: Explorei a minha beleza, tal como quis, em vários sentidos, mas os vestidos foram a minha mais estimada expressão. Senti-me Inês em todos eles e trouxeram beleza ao meu verão. Senti-me bonita, feliz e confiante em cada um deles.
Vinte e seis: E a despedida dos doces 25. Foram muito especiais, tal como eu gostava que fossem. O ano em que conheci a minha nova versão, que ainda não está finalizada mas que acho que já está muito aprimorada. Descobri as coisas novas sobre mim, o que gosto, o que já não faz sentido. Foi uma jornada muito bonita.
Voar: 2020 foi um ano em que sinto que abri asas e fui atrás do que quis. Saltei de um avião, transcendi as minhas capacidades para coordenar em tempos de emergência e conquistei um sonho moroso. Embora nenhum seja equiparável ao outro, posso afirmar que todos estes voos provocaram as mesmas sensações: uma queda vertiginosa que me cortou a respiração, momentos de alívio profundo e liberdade que terminaram com uma sensação de vitória e coragem.
Qual foi a vossa palavra-chave do ano?
A palavra do meu ano é Margarida. 2020 foi 2020 e só não o quero apagar da minha memória porque me trouxe este novo amor, que achava que conhecia mas que se mostrou muito mais intenso do que poderia imaginar.
ResponderEliminarTenho saudades do thirteen... Espero que esteja tudo bem e desejo-te um excelente ano novo Carolina :)
EliminarObrigada, Inês. Um excelente ano para ti também :)
EliminarGosto muito desta publicação final de ano, é sempre tão carinhosa e simultaneamente tão crua. Gosto muito do simbolismo que transmitiste à palavra "voar", este ano. Para mim, se 2020 fosse uma palavra talvez fosse família, simples mas acertada! Doeu-me no coração a tua caraterização da palavra "mulher", lamento imenso aquilo que te aconteceu e sei que ainda temos muito que lutar contra a sociedade patriarcal em que vivemos. Também eu, em 2020 tive de por as chaves de casa em punho, andei com desodorizantes em lata, mandei imensas vezes a minha localização para outros. Lamento imenso, Inês
ResponderEliminarSaudade é a minha palavra para 2020
ResponderEliminarIdentifiquei-me com várias palavras mas para mim diria esperança e sonho!
ResponderEliminarO quanto o meu coração apertou ao ler o significado de mulher...só te conheço "ao longe" mas não deixei de sentir compaixão Inês.
Ai, meu amor. A palavra Mulher deixou-me de rastos. Este ano, aconteceu-me ser seguida por uma carrinha pela cidade toda e, quando finalmente consegui estacionar para fugir, o homem masturbava-se à minha frente. Foi horrível. Senti-me pequena, frágil e de vidro. Mas acho que também diz muito sobre nós e a nossa força. Porque escapámos e porque aconteceu, mas não deixámos de ser quem somos.
ResponderEliminarAs minhas palavras seriam AMOR e CONFIANÇA. Por muito que quebre, por muito que rasgue, por muito que fique mazelada, no fim, acredito, confio, tenho fé, e o amor vem sempre ao de cima. Beijo enorme, meu amor.
Fiquei tão pequenina ao ler o que escreveste na palavra Mulher. Não devia ser normal que isto ainda aconteça, não temos de ter medo de andar na rua, não temos de fugir de monstros como esse, não temos de ter medo de sermos mulheres. É por isso que as lutas têm e vão continuar!
ResponderEliminarAs minhas palavras chave para 2020 são: amor, saudade e desafio.
Um beijinho, doce Inês <3