ON JOB || Doenças Neurológicas


Para grande alegria da Inês-estudante-universitária, o meu percurso profissional está a passar pelo universo da neurologia, nomeadamente, doenças neurológicas e psicológicas. Soube, desde o primeiro dia, que seria um trabalho de enorme exigência psicológica mas que estava preparada. Afinal, eu sempre disse (com muita intenção) que gostaria de fazer a diferença. Fui de cabeça erguida e vesti a camisola — neste caso, a bata branca. 

Quem trabalha neste ramo sabe que jogamos sempre a perder. Não há uma cura, uma reversão deste processo moroso e cruel. Atrasamos e adiamos progressões, recuperamos pequenas funções, capacidades ou estados de saúde que a doença leva nos primeiros avanços, e a sensação é de enorme vitória quando conseguimos ganhar estas pequenas batalhas, mesmo sabendo que apenas as estamos a atrasar. 

Tenho aprendido imenso. Nunca estive tão inteirada de assuntos como Alzheimer, Parkinson, Esclerose, Demências variadas, AVC (...) mas também sobre Depressão e Ansiedade, quadros muito comuns não só nos pacientes, como também nos familiares e cuidadores. É preciso saber como reagir, o que dizer, como atuar, o que sugerir e o impacto nutricional que todas estas patologias provocam. 

É um trabalho muito extenuante, por vezes injusto, e que já me fez amadurecer muito (pessoal e profissionalmente). Já vi, ouvi e tive de tomar decisões que me marcaram muito e que nunca pensei que fosse experienciar. Tenho, todos os dias, uma enorme responsabilidade nos meus ombros e sinto que toda esta caminhada me deixou preparada para qualquer outra responsabilidade que venha parar às minhas mãos. O fim do mundo deixou de o ser porque há sempre uma solução, uma alternativa, uma resposta. A pressão já não me intimida. 

É uma experiência que retira de mim sensações muito paradoxais. Já lidei com a morte — olhos nos olhos —, com o livro na cabeceira, marcador a meio, sabendo que o leitor nunca mais vai retomar a leitura. Consolar familiares e reconhecer quando perdemos. A minha bata já me secou muitas lágrimas — a maioria, de frustração. Mas sei que só poderia ser esta a emoção possível quando queremos fazer o mundo para lhes trazer o mundo de volta, como antes o conheciam. 

Por outro lado, não há um dia em que não me sinta sortuda e privilegiada por ter tudo aquilo que nós damos como ‘natural’ e garantido. E os meus maiores sorrisos de alegria ficam reservados nos momentos de alta, em que observo os meus utentes a realizar e a serem algo que julgavam ter ficado no passado. Recuperar-lhes características e capacidades da sua identidade é algo que me deixa muito orgulhosa no que fazemos, enquanto equipa e instituição. Não lhes faltam sorrisos e entusiasmo, apesar das circunstâncias. Não estou blindada a que coisas me entristeçam ou desmoralizem na minha vida pessoal, mas faço questão que me vejam sempre de sorriso nos lábios — e no olhar. Já aprendi muito sobre felicidade com eles. 

Há humanidade na saúde, é algo que digo com frequência. Umas vezes como afirmação, outras vezes como prece. Faço questão de o provar, todos os dias. Nunca me faltou rigor e profissionalismo, mas também nunca me faltou empatia. E as três podem conviver perfeitamente quando sabemos em que altura as aplicar. 

Há sempre tempo para ouvir os familiares e utentes, mesmo que a nossa agenda esteja a rebentar pelas costuras de tarefas por completar. Muitos confiam em nós para partilhar informações e reflexões que, por vezes, nunca o tinham exteriorizado. Não existem perguntas estúpidas ou absurdas e o nosso dever é informar e orientar — se soubermos como —, sem julgamentos. Sem desvalorizar o sofrimento e preocupação de quem está à nossa frente. 

Não sei o que o futuro me reserva mas sinto-me muito orgulhosa de atravessar este caminho. De aprender o que tenho aprendido, de contribuir da forma que me é possível para tornar a vida de centenas de pessoas mais confortável. Mas também aprendi muito sobre mim própria, sobre a minha estaleca e tenho uma perspetiva muito mais real e séria sobre o quanto a minha vida é fantástica, mesmo com más notícias, contrariedades e azares. E isso é algo que não consigo, nem quero, esquecer.

3 comentários

  1. Deves realmente sentir-te orgulhosa, o que fazes é muito importante e com certeza apesar de ter as suas coisas más, as boas compensam. Infelizmente os problemas neurológicos não são fáceis, mas com a ajuda de bons profissionais, as pessoas acabam por ter uma melhor qualidade de vida.

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  2. Nunca duvidei do teu sucesso. Para além de te esforçares por aprender e para além de seres uma excelente profissional, dedicada e empenhada, tens uma característica que também é essencial: a capacidade de te colocares no lugar do outro e não desvalorizar os seus problemas. Sobretudo na área em que trabalhas, e não só com pacientes mas também com famílias, isso é extremamente importante e faz toda a diferença. Infelizmente, já me deparei com profissionais de saúde que nada têm de empáticos e isso fez toda a diferença (pela negativa) no meu progresso. Sei que enfrentas, dia após dia, medos e frustrações, mas fazes tudo com cabeça erguida e vontade de melhorar a vida de quem te rodeia. Isso é uma sorte para quem é acompanhado por ti. Parabéns!

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  3. Admiro muito quem trabalha em áreas como esta, de verdade. é preciso estaleca e muito muito amor. Creio que seja um verdadeiro murro no estômago muitas das vezes mas acredito e sempre acreditarei que és menina de fazer a diferença na vida dos outros sem pensar duas vezes. Dizem-me muitas vezes nos escuteiros "o verdadeiro caminho para a felicidade é contribuir para a felicidade dos outros", e penso que se enquadra muito contigo. Obrigada por fazeres a diferença na vida destas pessoas, um passinho de cada vez <3

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