MUNDO || Fadiga por Compaixão


Nas notícias. Nas redes sociais. No dia-a-dia. Nas nossas conversas. Todos os dias somos expostos a más notícias, imagens gráficas e violentas, estatísticas pessimistas e histórias traumáticas que procuram de nós um estímulo de compaixão, empatia e solidariedade. As causas solidárias nunca tiveram tanta voz como agora e espera-se que todos nós abracemos cada uma das bandeiras com empenho e dedicação — seremos, sequer, humanos se deixarmos alguma delas para trás? 

À medida que observamos este estímulo constante por compaixão pelo que observamos e processamos, observa-se também uma perda de empatia, um cansaço provocado pela incapacidade de conseguirmos abraçar todas as causas, uma impotência para melhorar o mundo que se traduz num desgaste, dessensibilização e distanciamento. Apatia. Compassion fatigue, o diagnóstico é, assim, conhecido.

É demasiado fácil — e injusto — classificar a fadiga por compaixão como uma tendência millenial, facilmente desvalorizável ou encarada como um capricho próprio da geração. Afinal, isso não acontecia em gerações mais velhas, que viviam cada notícia de uma forma emotiva e com respostas adequadas à gravidade da tragédia, certo? Mas a verdade é que é uma condição antiga e  que muitos profissionais de saúde sempre sofreram, pelo contacto direto com a tragédia e o trauma. E as gerações mais velhas não tinham os mesmos acessos à informação que nós. Não é ao acaso que todos nos lembramos de onde estávamos no 11 de Setembro, mas dificilmente vamos recordar-nos do que estávamos a fazer quando outras tragédias mais recentes se abateram. Porque não temos pausa. 

O desgaste constante pela expectativa de que nos sensibilizemos com cada tragédia é palpável e não deveria ser ignorado — embora sinta que este é um tema que ainda não ganhou força suficiente para emergir. As pessoas estão apáticas e já não têm a mesma emoção ao processar um evento traumático. Sentem-se cansadas pela exigência de assumir todas as bandeiras (e culpadas quando não as assumem). Uma culpa onde sentem que se desumanizaram, perderam a capacidade de sentir empatia pelo outro, a sensibilidade. Deixam de se reconhecer.

Se antes podíamos procurar e filtrar a informação, hoje, isso é praticamente impossível. O próprio cérebro tem espectros de sensibilidade ao longo do dia, pelo que é muito provável que tenhamos péssimos timings para encarar más notícias numa fase do dia em que já estamos em burn out e a apatia assume o comando. Não processamos as coisas com as mesmas emoções durante 24 horas. Mas esse fator nunca é contemplado porque há uma sensação de encurralamento. Ligamos a televisão, manchetes terríveis. As capas dos jornais destacam o horror. As campanhas de solidariedade são gráficas para puxarem por nós a revolta e a vontade de mudar. Cientificamente, os resultados estão à vista: há imagens, fotografias, palavras e destaques que já não provocam em nós a mesma emoção que provocavam há uns anos. Tal como nós, as imagens estão desgastadas. 

É o fim da empatia? Não. Há coisas que podemos fazer e que são essenciais: 1) focar no que podemos controlar e 2) cuidarmos de nós antes de cuidarmos dos outros. 

Imponham uma pausa das notícias. Não somos más pessoas por impormos uma pausa da tragédia. Precisamos de tempo para processar o que se está a passar e só nós sabemos a quantidade de informação que somos capazes de suportar. Concentrem-se no que são capazes de controlar. É virtualmente impossível abraçar todas as causas do mundo e pode ser esmagadora a impotência de nem sempre conseguirmos fazer a diferença no mundo. Então foquemo-nos no que podemos fazer, no que está ao nosso alcance, por mais pequeno que seja. E não nos sintamos culpados por aquilo que fica para trás, por aquilo que não somos capazes de controlar. 

Cuidemos de nós antes de cuidarmos dos outros. Há uma razão para a maior parte das práticas de segurança exigirem que nos protejamos primeiro antes de protegermos os outros: não somos capazes de fazer nada se não estivermos operacionais. Permitam-se a restabelecer-se, a trabalhar o sentimento de culpa e dessensibilização antes de regressarem ao caos. Coloquem-se em primeiro lugar antes de afundarem, de novo, nas notícias melancólicas. Não ajudamos ninguém se nos sentimos dormentes. E precisamos de nos restabelecer para voltarmos a sentir empatia, esperança e motivação.

4 comentários

  1. Um assunto extremamente importante ao qual me tenho dedicado bastante em termos de trabalho. Obrigada por trazeres este assunto aos blogs :)

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  2. Fadiga por compaixão é, de facto, um tema muito atual, sobretudo agora, em tempos de COVID. Sinto-me mal dizer isto, porque ainda houve e há muitas mortes com esta pandemia, mas durante esta quarentena não consegui sentir compaixão porque estavam sempre a dar o mesmo. Eventualmente, restringi a quantidade de tempo que via notícias, e isso fez-me maravilhas!
    Beijinhos
    Blog: Life of Cherry

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  3. Nunca tinha pensado nisto desta forma mas revejo-me na tua óptica, obrigada por esta publicação. De facto, com tanto horror no mundo acabamos por, por vezes, passar pela indiferença e não nos dedicarmos de forma igual a todas as causa, obrigada por isto!

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  4. Pode parecer egoísta optarmos por nos resguardar, mas é tal como elaboras: nunca seremos capazes de dar as mãos aos demais se não nos sentirmos aptos para tal. A pior impotência é a connosco mesmos: a visão que projetamos para o exterior está muito vinculada à ideia que guardamos de nós, daí ser crucial conhecermos os nossos limites, cuidarmos da nossa saúde mental, praticarmos pequenos gestos de bem, no perímetro que conseguirmos controlar... Já temos tanta coisa com a qual lidar naturalmente, que os estímulos exteriores conseguem arrasar connosco, se não tivermos cuidado!
    Gostei muito desta tua reflexão, Inês!

    LYNE, IMPERIUM BLOG // CONGRESSO BOTÂNICO - PODCAST

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