Nunca tinha mergulhado à noite. Cresci como filha do mar (de Santa Cruz, da Barra, da Costa Nova) mas nunca me atrevi a cruzá-lo sem Sol. Por medo e respeito, uma pitada de cada um. E esta experiência tão comum para tanta gente nunca se tinha concretizado na minha vida.
Sou filha da água mas a verdade é que não lhe reconheço familiaridade. O chão que não toca nos meus pés devora-me a mente e a imaginação. A biologia diz-me que a caça se faz de noite. E o negro opaco da água nocturna não é apetecível. Não brinco com a água. Não me reconheço como leve ou inconsciente nas minhas acções com ela. E escolho criteriosamente os lugares onde quero ser corajosa.
E decidi que queria sê-lo na barragem, numa noite fantástica e tropical de Verão onde a brisa era leve como as mães quando sopram nas feridas dos seus filhotes. Sem luz a poluir o céu, as estrelas brilhavam com toda a força e conseguia identificar na perfeição a Ursa Maior e a nossa galáxia. Só se ouvia o som da água, negra, cujos relevos da ondulação se podiam identificar pela luz do luar.
Foi de riso miudinho e corrida de criança que saltei a pés juntos para a água fresca e escura. E quando saltamos assim, para dentro, sem ser de frente ou bate-chapas nas ondas, sentimos que estamos a ser devorados por um buraco negro. Abrimos os olhos e não vemos nada. Emergimos e não somos acariciados pelo Sol. Em compensação, milhões de estrelas sorriem para nós e o brilho combina com o que está nos nossos olhos, nas nossas gargalhadas.
Há uma sensação de infinitude e incerteza que, aí sim, reconheço (em mim e na água). O de não saber o que aí vem, mas encarar esse negro de riso autêntico e olhos a brilhar. De não ter pé e isso não me impedir de olhar para cima e me deslumbrar. De ter medo e respeito, mas correr e saltar. O silêncio apenas cortado pelas minhas braçadas na água, a Via Láctea desenhada no céu, o manto negro que me inundava e fazia o coração bater mais depressa. Não precisei de mais para, naquele momento, me sentir mais feliz e viva do que nunca. Grata.
Uma das tantas experiências que me falta... Também me considero filha da água como tu, e oportunidades não me faltam. Mas tenho igualmente receio. Ainda bem que conseguiste e que foi uma boa experiência :)
ResponderEliminarConfesso que também me falha essa experiência - talvez mesmo por essa mistura de medo e respeito. Há algo no facto de não ter como saber o que está no meu caminho que, de facto, me aterroriza um bocadinho...mas ler isto fez-me quaaase querer fazer o mesmo :)
ResponderEliminarJiji
Apesar de não saber nadar, também me considero filha da água. É contraditório, eu sei, já que não temos uma relação de confiança na sua verdadeira plenitude (caso contrário, eu saberia nadar), mas sinto que me é familiar e que me aconchega.
ResponderEliminarUm dia também quero ter essa experiência. Ler este texto fez-me querer ainda mais!
Beijinhos
Blog: Life of Cherry
Ainda não risquei esta experiência da minha lista de muitas coisas para fazer, já tive oportunidade, mas talvez o medo tenha falado mais alto. É como dizes, "O chão que não toca nos meus pés devora-me a mente e a imaginação."
ResponderEliminarPorém é uma coisa que quero fazer e pelo que nos relatas foi uma experiência incrível :)
A primeira vez que o fiz foi em Ferreira do Zêzere (não sei se conheces) e foi inesquecível. Depois, mais tarde, no Algarve! Sempre mágico *.*
ResponderEliminarUma das coisas mais corajosas que já fiz em relação ao mar foi nadar em alto mar, nos Açores, bem longe da costa e com a segurança de que estava um barco para me poder segurar. Quando me apercebi de que eu não iria ao fundo devido à densidade da água, foi como se eu sofresse uma mudança indescritível, uma sensação que carrego comigo, até hoje!
ResponderEliminarPortanto, se já ultrapassei um dos meus medos durante o dia, talvez um dia arrisque e nade durante a noite! Deve ser uma experiência como nenhuma outra!
LYNE, IMPERIUM BLOG