O que há no frigorífico?


Cresci numa casa que não conta histórias no frigorífico. A conveniência e elegância do design de eletrodomésticos embutidos tirou toda a possibilidade e graça de afixar qualquer coisa. Não tive o meu horário da escola, o nº da pizzaria preferida, ímanes, recados, a lista das compras, nem sequer um daqueles cartões de visita magnéticos sobre um serviço a que nunca recorremos porque nunca o vimos como algo além da utilidade de ser só um íman.

O meu frigorífico só tinha conteúdo no seu interior e muitos dirão que é para isso que serve e basta. Tal como as pessoas, é o seu interior que nos alimenta. Mas se há característica inerente à humanidade é a nossa capacidade de dar mais do que um sentido a qualquer coisa. Frigoríficos tornam-se, assim, pequenas pistas de memórias e auxiliares do que importa no quotidiano. O que escolhemos afixar nas suas portas - quando podemos - pode dizer muito sobre quem somos, mesmo quando achamos que o seu inventário é casual. 

O mundo pode caber no frigorífico. Uma compilação dos ímanes de lugares onde fomos ou de onde as pessoas pensaram em nós. Os postais enchem os olhos. Os talões de desconto que ainda não perderam a validade estão de passagem. Existem horários para não perder nenhuma aula e os números de emergência para quando abrirmos a porta e tudo parecer vazio. 

Encontramos o que não podemos esquecer ("comprar o leite") e o que não queremos esquecer (a polaroid de um jantar de amigos). Uma receita vive na incerteza se alguma vez sairá daquela porta para pousar na bancada enquanto é preparada. As palavras que escolhemos formar com as letras-íman que sobram e a criatividade de formar sempre qualquer coisa. Os desenhos dos miúdos. Um panfleto que serve como promessa de que um dia vão aderir ao serviço. 

Estará apenas o essencial ou o que vai para a porta é um compromisso vitalício? Conseguiria escolher um destino antes de um ingrediente? O que fica à vista é observado ou esquecido com o passar dos tempos? A curadoria é rigorosa - só fica o que é importante - ou um escape para o que não se sabe onde guardar? E quem não tem nada - mas podendo ter o que quiser: o que nos diz esse minimalismo? 

Num frigorífico, pode ver-se o núcleo de quem vive na casa. Do que se nutre e recorda, do que preserva no seu dia a dia, as suas preferências de restaurante, supermercado, tipos de férias e pessoas.

É curioso que tenhamos a capacidade - e a vontade - de encontrar qualquer pretexto, em qualquer espaço, para o tornar mais nosso, com mais pistas sobre quem somos, onde estivemos, o que fazemos, o que mais recordamos. As molduras, quadros, livros, telemóvel, aplicações e contactos não bastam.

A não ser que tenham um frigorífico embutido. Nesse caso, escreverão sobre as portas de frigorífico dos outros, com todo o descaramento.
não puxem muito por mim para falar de mais eletrodomésticos
Reading...
Mantendo-me fiel ao tema, este artigo explora como é que a chegada dos frigoríficos - e da refrigeração em geral - alterou as nossas perceções de sabor e até tornou possível certas receitas e comidas. Um pouco impensável imaginar que, sem refrigeração, não existiam sobras nem hambúrgueres, não?

Eating...
Poutine. Bom, no tempo passado, mas comi todo o poutine que pude enquanto estive no Canadá, sem medo de ser feliz nem de disparar o colesterol. Um prato típico canadiano composto por batatas fritas - embora exista quem asse a batata em pequenos cubos para uma opção um pouco mais 'saudável' -, cheese curds (que a tradução preguiçosa remete para requeijão, mas não é. Está mais parecido com as bolinhas de mozarella) e um caldo de carne. É bem típico no outono e inverno (por razões óbvias) e uma receita de conforto que, não sendo recomendada comer regularmente, às vezes recrio à portuguesa nos dias frios.

Playing...
Finalmente assisti a When Harry Met Sally, que respondeu a todos os meus apelos pelo outono em Nova Iorque, comédias românticas com a Meg Ryan, histórias escritas pela Nora Ephron e filmes com muito mais foco nos diálogos do que num plot. O meu tipo de filme predileto é aquele em que dou por mim a conversar com as personagens, com vontade de acrescentar as minhas próprias opiniões. Neste caso, o filme centra-se na questão de que homens e mulheres hétero não conseguem ser amigos. No final, o filme responde a este dilema - concordemos com ele ou não. 

Filmes da Nora Ephron são imbatíveis e este não é exceção, embora o meu coração esteja eternamente na história e livraria de You've Got Mail 💌

Obsessing...
Esta edição da Teleculinária. Comprei-a pela promessa de várias refeições em 30 minutos (porque se há ingredientes que me faltam sempre na cozinha são tempo, criatividade e vontade), mas acabei completamente rendida porque tem uma série de receitas típicas portuguesas que sempre disse que um dia gostava de ter no inventário e nunca fiz o esforço de as guardar - não exponham isto à minha avó, por favor.

Podia procurar todas estas receitas na internet e fazê-las? Sim e a minha pasta de receitas do Pinterest é a prova viva disso, mas adoro que tudo esteja num formato de revista, com ingredientes e quantidades que não tenho de adaptar para a cultura gastronómica portuguesa e poupa-me de mais um momento dependente do ecrã, que cada vez mais valorizo.

Vida longa às revistas culinárias!

Recommending...
As Golden Glow Drops da W7. Misturo-as no meu creme hidratante e ajudam-me a dar um pouco mais de sol a esta pele que só tem dois tons anuais: lula e lagostim. 

Treating...
Fazer journaling logo de manhã. Tenho o diário ideal para isso porque não dispenso mais do que cinco minutos, o tempo que me leva a ferver a água e fazer o meu chá da manhã. É uma forma de refletir sobre o dia e de ginasticar este exercício da gratidão de uma forma realista e adaptada à minha rotina.
como me sinto a ver filmes de outono com mais de 25ºC lá fora (source)

2 comentários

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