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Quando não recebo ameaças do Duolingo de que estou a deixar cair o meu strike – e a desonrar toda a minha família -, ainda consigo sentir que é uma das minhas apps preferidas de utilizar, principalmente pelas portas linguísticas que abre.
Aprender uma língua abre espaço a novas formas de não só compreender uma coisa, como de a pensar. Percebemos o quanto tudo não é assim tão definido quanto pensamos, que da mesma plasticina surgem formatos diferentes, todos eles legítimos e uns mais concretos que outros.
Gosto, particularmente, de descobrir palavras que dão uma nomenclatura concreta a uma sensação que, em português, é mais vaga, tal como saudade dá o que outras línguas não conseguem oferecer. Quão órfãos serão os que têm uma língua-mãe sem saudade?
Foi assim que me cruzei com a palavra flanieren. É alemã, mas nasceu em frança, nome de parto flâner. Depois cresceu e ganhou outros tons e nacionalidades. Descreve a ideia de caminhar sem nenhum ponto de destino em particular. Poder-se-ia dizer que, para a mesma ideia, temos deriva, mas flanieren não tem mar. A deriva não tem meta e, muitas vezes, também não tem orientação. Flanieren tem o som da terra batida e um sentido de caminho, sem propósito para partir e sem propósito de chegar. Apenas a intenção de ir e observar a jornada.
Demorei-me nesta palavra, talvez porque, antes de ver a sua definição, soou-me nos lábios como soa flanela, e a sua definição trouxe-me o mesmo conforto que o tecido.
A minha língua é obcecada com propósitos e metas. Nascemos, somos e fazemos tudo com um propósito. Fazê-lo é a consequência de o encontrar, e encontrar é a meta de vida. Uns são movidos por um propósito escrito na espiritualidade, outros são movidos pela ideia de que sem propósito, não há sentido de existir. Mas todos os propósitos têm uma meta e esse caminho é seguido sem distrações. Não, não é seguido, porque cada um faz o seu caminho. Somos únicos, especiais e sagrados. Se não encontramos o propósito, se não fazemos o caminho, se não nos dirigimos para a meta, estamos à deriva. O mar entra pelas nossas fronteiras e deixa-nos em jangadas. O propósito é o imposto de produtividade que pagamos para existir.
Os caminhos dos propósitos não cruzam. Não há distrações, têm tanto a oferecer aos outros. Há uma missão a cumprir, sem tempo precioso de vida a perder. Tudo o que têm de fazer é ir em frente até à meta, sem se aperceberem que, na obsessão por fazer, por cumprir, não se cruzam com ninguém. O propósito é pelos outros, sentem, mas não escutam ninguém. Sem distrações. Chegam ao fim da meta e a única vez que olharam para o lado foi para confirmar que os outros também estavam a ir – nunca mais rápido e sem sequer pensar nos mais lentos.
Quando estou na minha cidade, ir à pastelaria é a minha meta. Cruzo as ruas, jardins, passadeiras e pessoas em direção ao que tenho de fazer. E tenho tanto para fazer.
Mas quando estou numa cidade que não é minha, num lugar que estou a conhecer pela primeira vez, ir ao café é um passeio. Os edifícios surpreendem-me, as ruas são novidade, os sinais são originais, as pessoas interessantes. Não reconheço os sons nem os cheiros, estou desperta. Sorrio para quem se cruza comigo porque não estou ocupada com outras coisas. Não tenho nada para fazer a não ser ir a um café e não tenho pressa de lá chegar. Por vezes, nem sequer tenho café, apenas uma imensidão de ruas que me apetece percorrer e ver como são, para onde dão. Sem propósito.
Já vivi vários momentos da minha vida sem propósito, mas nunca um sem intenção. Nem sempre a minha intenção está no fazer, mas sem falha está no ser. Ser presente, ser atenta, ser disponível.
Num mundo obcecado em fazer, encontrei em flanieren o conforto de ser. De estar presente no caminho, de observar os pormenores e ver onde o dia me leva. De não ter de fazer sempre o meu caminho porque, se observar com atenção, alguém deixou pegadas do seu trajeto sem as esconder e podemos desfrutar desse caminho pelo tempo que quisermos. Podemos sair do mapa, cruzar. Ver coisas diferentes que despertam pensamentos diferentes. Ouvir outras línguas, escutar outras pessoas. Encontrar, acima de tudo, sem precisarmos de saber já o quê.
Há intenção em dar o primeiro passo, em dar todos os passos, mesmo sem haver propósito. Não quero fazer todo o caminho já e não tenho nada para oferecer, não tenho meta para chegar, mas, no mar, mergulho e volto, sem jangada. Não há deriva se houver intenção de encontrar terra.
Flanieren. Sem tradução precisa na nossa língua, mas, na minha leitura, seria passear e ver o que encontro. Por vezes, o encontro pode ser o próprio passeio.
não me importo se a deriva for assim (source) |
Reading...
Babel, que está a ser uma leitura lenta, mas rica num imaginário de dark academia, história e línguas –talvez tenha inspirado a reflexão de cima.
Exploring...
Tenho adorado criar páginas de diário digitais. Também sou fã da versão tradicional, mas acabo sempre por não criar um hábito de ir registando o que quero porque não tenho materiais suficientes ou tempo para os arranjar. Este intermédio entre o físico e o digital tem funcionado para mim e adoro chegar ao final do mês e escolher que pequenos registos quero deixar nestas páginas. Se também não se entendem muito bem com desenhos, cortes e colagens, acho que é uma alternativa que vale a pena explorarem.
Playing...
Não temos tido grande sorte com o clima de verão, até agora, mas sou sempre transportada para o areal nesta playlist. Para mim, as músicas de verão têm ritmos quentes, mas mais lentos e deliciosos, e por isso mesmo é que escolhi a dedo cada uma destas canções que adoro escutar a apanhar sol ou a conduzir para a praia.
Obsessing...
Sabrinas de ballet. Quero aproveitar que estão trendy e que mais marcas estão a explorar diferentes modelos para finalmente encontrar a que ando a visionar há anos. Ainda não encontrei o par, mas andam debaixo do meu radar.
Recommending...
Não existe nada mais humano e mágico do que encontrar coisas perdidas em livros. Os horários da minha biblioteca local não me permitem ter esta experiência sem ser quando compro livros em segunda mão, mas a Biblioteca Pública de Oakland criou um perfil de Instagram exclusivamente dedicado em mostrar tudo o que os seus leitores deixam perdidos nos livros e eu sou perdidamente apaixonada por esta conta.
Treating...
Já tinha os modos de do not disturb e sleep no telemóvel, mas tenho ativado também os alertas de screen time para determinadas apps e, para já, funciona muito bem para mim. Determino uma duração diária específica a que posso alocar a essas apps e recebo um alerta quando estiver a atingir o limite. Por vezes, fica nebuloso no meu trabalho onde é que começa o benchmark e onde acaba a divagação. Decidi defini-la melhor.
Para todos os que também são ameaçados pelo Duolingo - e com um especial carinho para os que estudam alemão (source) |
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