Olá?

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Abrir a porta devagarinho e deixar a luz de fora entrar. Encontrar tudo escuro, mas não fazer questão de acender as luzes – não já. Consigo percorrer cada recanto deste espaço na escuridão; conheço-lhe todos os contornos. 

Quando os olhos se ajustam, observo todas as divisões, com as coisas deixadas tal como da última vez que fechei a porta. Não sabia, em fevereiro, que iria fechar a porta para voltar em junho. E, por isso, esta casa está com a ordem de quem não sabia que estaria ausente tanto tempo. 

É interessante reparar como, quando observamos um lugar com os pertences deixados, conseguimos mapear o movimento, a rotina, a dinâmica, mas não a vida. Sabemos qual o bico do fogão predileto, onde são guardados os lençóis de verão, qual é o amaciador de cabelo preferido e em que canal a televisão foi desligada. As preferências, a habitação daqueles objetos e espaços. Mas são as pessoas que lhes dão vida, claro. Sem as pessoas, os objetos ficam nos seus espaços para sempre. O amaciador é o favorito, mas nunca acaba por terminar; o bico predileto do fogão nunca mais é acendido; o lençol de verão nunca mais sai da gaveta e chega o inverno. 

Não tenho um passado de muitas casas – talvez o futuro dite uma experiência diferente, mas, até lá, é a realidade – e, por isso, todas as que passaram por mim e significaram um lar têm um significado e simbolismo maiores do que talvez a sua própria dimensão. A casa onde cresci e que foi ficando cada vez mais pequena, o corredor que parecia não ter fim e que depois atravessava em dois passos apressados de teenager; a casa que ecoava mesmo em sussurros por não ter nada e que fomos enchendo com os móveis, as memórias, as festas e jantares, as pessoas, as fotografias. A casa que já não existe e que, agora, só pode ser habitada na minha memória. Tinha um pátio e um jardim que se transformavam em tudo o que a minha imaginação desejava. Agora, só fazem mesmo parte da minha imaginação. 

E depois tenho esta casa, que deixei em fevereiro. O pó acumulou, as aranhas encontraram nos cantos e vértices dos móveis um refúgio, o silencio preencheu o resto. Regressar a uma casa abandonada implica perceber o que ela foi outrora e o que queremos dela agora. O que manter e o que doar. Afastar os cortinados e abrir as janelas, sacudir os tecidos, limpar e polir. Dar-lhe vida, para que ela nos dê um lar. 

Estou a voltar ao Bobby Pins, a limpar a casa, a sacudir o pó, a doar o que já não faz sentido e a manter o que me traz conforto e refúgio. A aquecer o meu bico preferido do fogão para ferver a água e a trazer saquetas novas de chá. Lavei as chávenas e estão pousadas na nossa mesa de sempre. Não espero o mesmo número de convidados e, depois da remodelação no conteúdo, não espero que todos fiquem. 

Mas a porta não tem trinco, e os lugares não são finitos. Há sempre tempo para irem e para voltarem. Tal como eu fui e vim. 

Esta ainda é a minha casa preferida.

6 comentários

  1. Estava a passar numa rua que conheço de olhos fechados, onde tudo o que é novo me chama à atenção, porque o habitual já tenho desenhado. Ouvi chávenas a serem lavadas, janelas a serem abertas e água a ferver. "Talvez haja chá", pensei. Por isso aproximei-me na porta, que estava destrancada. Entrei, peguei na minha caneca de Earl Grey e sentei-me no lugar que já conheço há anos, e que muda consoante a estação, mas onde regresso sempre. Welcome back!

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  2. Sinto que esta casa está sempre com a porta entreaberta para podermos voltar, mesmo que não tenha vida a acontecer constantemente. É um refúgio e é tão bom. Bem-vinda de volta. É sempre um prazer ler as tuas palavras tão belas.

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  3. Só quero que os "favoritos" de todos os meses continuem a existir 🥹 bem vinda, tinha saudades!

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  4. Bem-vinda de volta! ❤️ Curiosa para ver o que vem a seguir!

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  5. Como é bom voltar a ler-te. Que texto tão doce e que me aqueceu o coração. Li-o na primeira noite que durmo com a minha filha na casa que será também ela a casa que a verá crescer. Ainda não há cortinados para sacudir mas as telas em branco têm o seu encanto.
    ❤️

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