A Nossa Atenção Está a Diminuir?


“O nosso tempo de atenção está a diminuir” é, talvez, uma das frases da nossa atualidade. Se não a dissemos em alguma conversa, já a ouvimos ou lemos em qualquer lado. Pior: já a sentimos. 

A observação – seja ela falaciosa ou não – é quase irresistível de estar on top of mind cada vez que alguém ouve um podcast em velocidade 2.0, passa um vídeo de 10 segundos no TikTok porque está demasiado aborrecido ou reconsidera toda a amizade quando um amigo decide mostrar no telemóvel um vídeo de 3 minutos no Youtube que ‘é engraçadíssimo’. Existem mortes lentas e a de ficarmos a assistir à mão em endurance a segurar um telemóvel na horizontal é uma delas. 

Conteúdo rápido, vídeos curtos e ritmos dinâmicos parecem fazer parte do menu do dia do nosso cérebro insaciável por estímulos. Mas será que estamos mesmo a perder a nossa atenção? 

A nossa memória já foi comparada com a de um peixe dourado (entretanto, o resultado foi completamente desmentido) e é perceção comum de que o nosso tempo médio de atenção foi reduzido por uns segundos (outra informação falaciosa). Mas a verdade é que ainda não existe um volume robusto, credível e transparente de estudos sobre a nossa capacidade para estarmos concentrados e até sobre o nosso tempo de atenção. O interesse e objetivo de estudo é recente, mas, à luz dos resultados científicos (e credenciados) atuais, a nossa atenção não melhorou, mas também não piorou. Está igual. 

Parece… impossível! 

Os resultados não trazem conforto com o que sentimos na pele diariamente. 'Sim, talvez ainda não existam dados que suportem, hoje, o que evidenciamos, mas… a incapacidade de assistirmos a uma introdução sem passar à frente, de acelerarmos a velocidade ou de estarmos rendidos a plataformas como o Tiktok ou os reels (que, na minha opinião, funcionam como um microondas de vídeos arrefecidos do Tiktok) tem de significar alguma coisa. Principalmente no alvo mais apetecível de extrapolar estas conclusões com preocupação: os adolescentes. Certo?'

Sempre achei uma observação muito relevante – a dos adolescentes – porque é a mais fácil de contradizer quando falamos sobre o nosso tempo de atenção (e, aqui, transversal a todas as gerações): não conheço nenhuns pais, familiares ou tutores que não digam a seguinte frase: passou horas a jogar. 

Como podemos, neurologicamente, estar a perder o nosso tempo de atenção, mas, simultaneamente, perder horas num jogo de computador, ter um número crescente de leitores que consomem 200 páginas num dia e um aumento do interesse em atividades manuais que podem consumir manhãs inteiras? Se estamos a perder (mesmo que seja perceção e não um resultado científico) o nosso tempo de atenção, logicamente, não seríamos capazes de nos envolver com a mesma competência neste tipo de atividades - mesmo que quiséssemos. 

E a geração mais nova – normalmente, a principal portadora de mudança de comportamentos sociais – seria a primeira a manifestá-lo. Os nossos adolescentes não seriam capazes de perder um dia inteiro a jogar – uma perda para a ciência, por incrível que pareça, mas um dia de glória para a hora das refeições e para os pais. 

A realidade é que esta sensação de impaciência para com os conteúdos não é disparatada nem ilusória, apenas tem uma perspetiva ligeiramente diferente: não somos nós que temos um tempo de atenção mais curto; são as marcas, produtores e criadores de conteúdo que estão mais competentes em agarrar a nossa atenção, o que também nos torna numa audiência mais exigente. 

Precisamente por esta linha, os filmes estão mais curtos e com uma rodagem mais rápida, os blogues caíram em desuso (embora eu continue teimosamente a contrariar a tendência…), os livros têm uma storyline mais dinâmica, plataformas como o Tiktok ascenderam e mesmo a própria linha de condução dos vídeos no Youtube está diferente. O que inicialmente parecia uma questão neurológica torna-se numa questão de… marketing. De manter a audiência sentada na sala o maior tempo possível. 

Mas quando mergulho a sério na questão do tempo de atenção – e, mais relevante neste tema, na captação da atenção – dou por mim a ramificar este assunto para outros tópicos: a publicidade (claro!), mas também a nossa própria estrutura social e urbana, que tem sido reconstruída evolutivamente para que vivamos um ritmo mais acelerado e mais produtivo (a qualquer custo). Se somos obrigados (mesmo que indiretamente) a manter a passada, é inevitável que esperemos (mesmo que, quando pensamos a fundo, talvez não queiramos) que os conteúdos que nos servem e entretêm correspondam com a mesma entrega com que trabalhamos e produzimos. Não é ao acaso que a consequência disso seja uma crescente epidemia de transtornos de ansiedade, depressão, entre outras doenças mentais. 

O que me leva a questionar: sentimos que estamos com o tempo de atenção mais curto porque temos, tendencialmente, preferência por um conteúdo rápido, ou poderá ser consequência da nossa (ausência de) saúde mental? 

Observamos, hoje em dia, redes sociais e os seus conteúdos, por exemplo, como algo potencialmente viciante. O ‘vicio das redes sociais’ é uma frase quase tão gasta como a primeira deste artigo. Mas e se o nosso comportamento não for resultado de uma adição e sim de um mecanismo de sobrevivência que resulta em comportamentos próximos à adição? Parecem iguais, mas são comportamentos ligeiramente distintos.

Se uma pessoa observar o Tiktok como um escape quando se sente pressionada, se o primeiro instinto é abrir o Instagram quando recebe uma tarefa ou informação difícil, se a ideia da ‘preguiça’ e da ‘procrastinação’ têm estado em estreita colaboração com as horas que são gastas no Pinterest e no Youtube, o meu instinto não é observar este cenário como um défice de atenção e tampouco como uma adição ao digital. Retrata um comportamento de fuga, de sobrevivência ao que está a sentir e a pensar. E se antes os comportamentos de fuga eram mais rudimentares, uma vez mais, a capacidade de os conteúdos agarrarem melhor a atenção também se traduz numa condução mais eficiente do target para longe da sua realidade. 

Para muitos, o momento em que fazem scroll por tempo indeterminado no ecrã – vendo, mas não retendo nada – é o melhor mecanismo de recompensa que irão ter naquele dia (o que nos leva ao ‘vicio’ da dopamina – tema para outro artigo). 

Enquanto deixamos que a ciência prossiga com os seus estudos, scans e autocolantes nas têmporas, talvez possamos ocupar a nossa (normalizada) atenção a refletir sobre dois temas: enquanto audiência, a perceção de quando e como estamos a consumir conteúdos e de que forma nos estão a ser apresentados – saber como algo está a acontecer é o primeiro passo para assumir controlo. Também eu gosto de ver vídeos no Tiktok (e passo à frente muitos), mas o momento em que me sinto com o polegar hipnotizado e dessensibilizada é o momento em que tenho de me lembrar de como estou a fazer uso desse tempo. 

Enquanto criadores de conteúdo, sobra-nos um desafio em mãos: saber que a audiência está mais exigente orienta o ónus da competência e responsabilidade para nós. Poderá ser um fator de ansiedade (a confirmação de que temos mesmo de agarrar melhor o público e todas as dúvidas e inseguranças que isso acarreta), mas liberta-nos também com a certeza de que não, a atenção não está comprometida. E isso é muito importante, porque se a atenção não está comprometida (pelo menos, para já), isso também significa que existe mesmo uma audiência para qualquer tipo de formato - e que talvez a nossa audiência não precise, realmente, de um conteúdo rápido.

Captar a atenção não necessita que seja um conteúdo excessivamente dinâmico ou acelerado – e se não for esse o público ou o conceito do que criamos, talvez não precisemos de seguir os carneiros. A audiência certa (principalmente, a consciente do que está a consumir) estará connosco – orientada com a informação de que este conteúdo traduz-se num momento para desacelerar.

E todos sabemos o quanto precisamos disso.

1 comentário

  1. Excelente texto Inês! Concordo com tudo, especialmente sobre a diferença de público. Alguns estão indo na ao contrária do conteúdo a acelerado e buscam por conteúdos como o seu, porque é um refúgio tranquilo, onde a gente pode se atualizar, explorar a criatividade e a curiosidade e, relaxar. Seu conteúdo me trás calma e me instiga, sem me causar ansiedade.

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