Sobre os Regressos


Não sou uma pessoa de regressos. Embora viaje muitas vezes pela doçura (e melancolia) da nostalgia, raramente repito destinos e livros. Há um desejo de ver lugares novos, de conhecer histórias diferentes e, admito, é uma característica que me é surpreendente. Estaria muito mais alinhado com o meu perfil regressar às histórias e lugares pelo sentido de familiaridade e segurança de sabermos como são, como acabam, ao que cheiram e sabem. Mas a descoberta parece-me mais entusiasmante.  

Dublin não estava nos meus planos de regresso, admito. Adorei a atmosfera da cidade assim que a pisei em O’Connell Street, em 2019. É pequena, tem carisma e, bem planeada a viagem, retiramos muito facilmente o melhor da experiência. Ficou muito pouco por ver e a infinitude do mundo atraía-me mais. Mas a ideia de regressar para fazer algo feliz, novo e diferente fez-me pensar que podia ter ido a outros lugares no mundo, mas Dublin fazia o mais perfeito sentido. 

E aqui está a magia dos regressos. São viagens no tempo, em certa forma. Quando caminhamos pelas mesmas ruas, quando devoramos com saudade certos sabores que adorámos da primeira vez, quando ouvimos a mesma música, no mesmo pub, ou mesmo quando seguimos um caminho diferente do primeiro roteiro, nós vemo-nos lá, vemos quem pisou a cidade pela primeira vez. E, mais evidente, vemos o abismo que nos separa, na mesma cidade. 

Dublin foi a minha primeira aventura (feliz) do ano, antes de arrancar com a segunda (infeliz). Quando entrámos no pequeno apartamento em frente a Ha’penny Bridge, estava resoluta de que ia aproveitar o máximo que pudesse antes de entrar num universo que me deixava miserável, mas que queria terminar com distinção – se é para atravessar o labirinto, que tenhamos a medalha olímpica, no final. 

A Inês que calcorreou Dublin pela primeira vez tem mundos de distância de mim, que passeei pela cidade uma segunda vez. Se nos cruzássemos ali, em St. Stephen's Green, não sei se nos reconheceríamos embora, honestamente, não estejamos tão diferentes por fora, arrisco analisar. 

Quando descobri Dublin pela primeira vez, sonhava com outro caminho profissional, sentia-me completamente condenada ao meu plano original, namorava e passei cada minuto daquela viagem com um aperto no peito que atenuava com a distração que só uma cidade nova pode proporcionar. O aperto no peito quase palpável de tão esmagador: não querer estar ali. Não me refiro a Dublin (gosto tanto de Dublin!) mas… ali. Naquela fase de vida. Era um pequeno cubo e tentar servir num triângulo e cada pedaço de mim que não servia, que não encaixava, magoava-me. Toda a gente avisa que as arestas dos vintes são afiadas, mas dói ainda mais quando a forma sufoca-nos também. 

Dublin foi um pequeno abraço antes de respirar fundo, fechar os olhos e fazer o que tinha de fazer. De lutar por outra coisa enquanto se engole sapos (não há originalidade nisto de se viver, certo?). 

Acho que me reconheceria em St. Stephen's Green. E acho que seria a única pessoa no mundo a arrancar-me aquele peso no peito. Bom, certo, diferente do passado há uma solitude que me acompanha, mas estou feliz com ela, estou até curiosa com ela. Mas, acima de tudo, estou mais leve. Estou no lugar que desejava (não é perfeito, mas poucas coisas o são, compreendemos). E tenho outras perguntas, outras inquietações e continuo a ser um cubo. Às vezes distraio-me e tento entrar na forma do triângulo, mas, em geral, já sei perceber que não é o meu lugar e que há outras formas que me servem melhor. Claro, as arestas continuam mais afiadas do que nunca, mas o tempo desgasta a crueldade incrível de se ser jovem também (e quem não acha que os vintes são uma crueldade com sabor a mel, não se lembra dos vintes). 

Então, regressei. Sem peso no peito. Sim, com dúvidas e medos e com certos capítulos em aberto, mas sem medo do futuro. E sem vontade de ser uma pirâmide ou de servir na forma do triângulo. 

Choveu em Dublin, neste regresso. Não tive um único dia de sol. Lembrava-me de Dublin a céu azul e com um dia de neve. Especial. 

Gostei que, também dentro de nós, o clima estivesse diferente do que me recordava.

1 comentário

  1. Há locais que também prefiro não regressar e manter aquela memória intacta, mas há outros que merecem, sem dúvida, um regresso. Por mais diferentes que estejamos por fora e por dentro, por mais distantes que estejamos da pessoa que éramos quando visitámos pela primeira vez aquele determinado local, vale a pena regressar. Tenho locais que gostei tanto, tanto que a vontade de regressar é esmagadora.

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