A jornalista Catarina Gomes estava de visita ao primeiro hospital psiquiátrico português - Miguel Bombarda - quando descobriu uma caixa repleta de objetos abandonados, pertencentes a alguns dos antigos pacientes. Este foi o ponto de partida inesperado para a autora de Coisas de Loucos ir atrás destes objetos e contar a história de oito pessoas que estiveram internadas no espaço que é mais conhecido como 'Rilhafoles'.
Coisas de Loucos despertou de imediato a minha curiosidade, mas foi a escrita da Catarina que me conquistou, até porque o desafio que teve em mãos não era fácil. A ausência de literatura cientifica acerca das doenças psiquiátricas, as idiossincrasias sociais da época e a pouca variedade farmacológica fizeram da psiquiatria uma das áreas mais tenebrosas da medicina, no séc. XX, onde tratamentos eram descritos - e executados - de uma forma torturante, e onde muitas circunstâncias (como a mendicidade ou a orientação sexual) eram encaradas como doenças.
Perante este cenário de quase puro horror, Catarina Gomes faz um retrato destes oito pacientes com muita sensibilidade e respeito, recuperando um pouco da dignidade que, dentro daquelas quatro paredes, muitas vezes se parece ter perdido. Sem cair na romantização, cada objeto ganha forma para um ser humano com um percurso de vida que, de alguma forma, foi terminar no hospital Miguel Bombarda (em algumas histórias, muito injustamente).
Embora a escrita seja verdadeiramente excecional, a leitura deste livro não é fácil e dei por mim, em várias ocasiões, a pensar no acaso de sorte que é nascer e ter cuidados de saúde à luz da Era atual. Ainda que o preconceito para com a saúde mental persista - e, ainda mais, para com as doenças psiquiátricas, onde muitos dos pacientes ainda são encarados com medo e repúdio - a verdade é que a medicina evoluiu de uma forma exponencial, e áreas como a psiquiatria puderam crescer para oferecer cuidados e tratamentos mais eficazes, mas também mais dignos. Achei interessante que, ao longo do livro, a jornalista recorresse a profissionais de saúde para contextualizarem algum tratamento específico da época e para fazer um paralelismo sobre a forma como a intervenção terapêutica é executada nos dias de hoje.
Coisas de Loucos não é um livro fácil, mas nasceu de um acaso bonito e que resultou numa forma muito honrosa de recuperar, pelo menos, a história de oito pessoas que pareciam ter caído no esquecimento. Restou-lhes os objetos para deixarem algum legado. Recomendo muito.
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Bertrand
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Ora aqui está uma sugestão muito interessante. Quando vejo algum filme dentro desta temática fica sempre a faltar uma certa contextualização e até exemplos em Portugal. A ler, sem dúvida.
ResponderEliminarJá ouvi falar, mas ainda nunca li.
ResponderEliminarBeijinhos