PASSAPORTE || Dicas e Factos sobre Senegal (parte II)


1. A mulher é considerada um ser precioso e sagrado. É uma prioridade numa série de contextos e ocasiões e detém a custódia dos filhos. No entanto, estes factos são automaticamente ameaçados quando a existência da mutilação genital, os casamentos forçados na infância e o Código que dita que a idade legal de casamento mínima são os 16 anos ainda são uma realidade. Fica aqui a minha reflexão curta: a mulher é preciosa e sagrada onde e em quê, afinal de contas?

2. Para embarcar no aeroporto de Dakar, cheguem, no mínimo, com 2 horas de antecedência ao vosso embarque. Se em Cuba eu disse-vos que o lema deles é No pasa nada, no Senegal o lema é Hakuna Matata e tudo é feito com uma lentidão olímpica. O aeroporto é de uma desorganização imensa, vêem esquemas por todo o lado - pessoas a passar à frente, a saltar pontos de controlo, etc. - e eles têm um gravíssimo problema a encontrar os nossos nomes em qualquer sistema informático. Para compreenderem, o funcionário disse-me três vezes que eu não estava nos registos de check-in, embora eu tivesse a certeza de que já o tinha feito via online. Ao fim de uns minutos, desisti e passei para o outro lado do balcão, onde me coloquei ao seu lado para procurar o meu próprio nome na base de dados. Adivinhem, estava mesmo em frente ao seu nariz e tive de apontar três vezes para o ecrã e para o passaporte para ele associar o meu nome ao que estava escrito no monitor. E sim, os nomes estavam exactamente iguais ao passaporte. E não fui um caso excepcional. Portanto, têm de se prevenir e ir para o aeroporto com antecedência para que consigam ter tempo para todos estes "imprevistos". Além disso, desde o momento em que entram nas portas principais do aeroporto até à entrada do próprio avião, passam por dez postos de controlo de bilhete e bagagem. Dez. Sim, significa que, por dez vezes têm de mostrar o bilhete, passaporte, dizer onde ficaram e porque estão lá, descalçarem-se, submeter-se a revista e detector de metais e ainda têm de abrir a bagagem - não importa se a bagagem já passou no raio-x, vocês têm de a abrir na mesma. Chegou ao ponto de eles fazerem-nos parar no meio da pista do avião, à beira das mangas, para verem o nosso passaporte e bilhete, de novo. Só pude agradecer não estar a chover. O próprio Comandante disse: "O aeroporto de Dakar é sempre uma confusão e um monte de problemas". 


3. Não tirem fotos aos vendedores de rua. Ou, pelo menos, sejam discretos. Os Senegaleses acham que o acto de tirarmos fotografias aos seus negócios é um gesto trocista e de revelação de superioridade - julgam que vamos gozar com o facto de eles venderem à beira da estrada - e, embora sejam muito gentis, levam a peito e podem ter comportamentos agressivos. Vi uma mulher atirar uma manga a uma turista francesa que estava a tirar uma foto ao seu pequeno mercado. Não lhe acertou porque a francesa estava num carro.

4. O país era palco do famosíssimo rally Dakar - daí a competição adoptar o nome da capital do Senegal - mas, em 2008, passou para a América do Sul.


5. Não ofereçam dinheiro às crianças. Isto é um pedido feito por inúmeras pessoas locais. Os Senegaleses prezam muito a educação das crianças e lutam para que os filhos entrem e permaneçam nas escolas. Por esta razão, não vão encontrar muitas crianças a prestar serviços ou a pedir-vos dinheiro, como acontece em outros lugares. Eles acreditam que, se lhes dermos dinheiro, esse gesto tornar-se-à num hábito que eles vão preferir, ao invés de estudarem e passarem o tempo na escola. Eles não querem os filhos em lugares mais turísticos a pedir. Querem vê-los a estudar. Aliás, nenhuma criança vai pedir-vos absolutamente nada a não ser que lhe dêem a mão, um abraço ou então pedem para vos mexer no cabelo.

6. Ao contrário das crianças, homens a prestar serviços é coisa que não vai faltar. Assim que saem do aeroporto, sentem o choque; dezenas de homens aproximam-se de vós e perguntam-vos se precisam de taxi, de tours, de fazer câmbio. Pode parecer assustador - especialmente se forem mulheres - até porque eles não têm tento na língua ou nos olhos; as miradas de alto a baixo e as perguntas indiscretas e piropos são uma constante. Não têm malícia associada, mas o choque inicial pode desencadear comportamentos e respostas defensivas. Relaxem, sorriam e digam com firmeza que não precisam do serviço. Eles só querem conversa, literalmente.



7. Os nutricionistas são considerados profissionais essenciais, no país, especialmente no cuidado de crianças. Não existe uma separação da nutrição com a medicina, um estudante que queira ser nutricionista tem de entrar em medicina e especializar-se em nutrição. Um curso de medicina no Senegal dura oito anos.

8. O nome Inês é um dos mais comuns no país (tinha de incluir este facto por motivos muito relevantes e vaidosos!)


9. Um dos principais problemas do Senegal é a poluição. É muito comum assistirem, na periferia de cada quarteirão, lixeiras a céu aberto. Montanhas e montanhas de lixo, plástico, cartão, tudo à beira da estrada. É um cenário de perder de vista. Não encontram caixotes do lixo e a maior parte é simplesmente atirada ao chão.

10. As autoestradas são uma herança portuguesa. Não encontramos muitos mais vestígios de Portugal porque todo o país teve maioritariamente colonização inglesa e francesa.

11. Não me senti insegura. Estava preparada para me sentir assim porque fizeram-me inúmeros relatos do género, mas a verdade é que estive perfeitamente tranquila em todos os lugares que passei. Estava preparada para os comportamentos masculinos mas tive exactamente os mesmos cuidados que teria em qualquer capital europeia. Pude andar livremente a tirar fotografias com o meu telemóvel, não senti que, a qualquer momento, iam levar a minha mochila num puxão nem tive problemas em ficar para trás nas ruas. Andei e mexi nas minhas coisas livremente.

Se tiverem alguma curiosidade ou dúvida que queiram ver atendida, deixem aqui nos comentários, uma vez que as publicações de dicas e factos sobre o Senegal terminam nesta publicação. Se me for possível, vou deixar as respostas nesta publicação para que, futuramente, outros leitores possam consultar.

3 comentários

  1. Nós somos realmente pessoas afortunadas e este post fez-me perceber isso. Porque temos noção do mundo, de que há realidades tão, tão diferentes da nossa e culturas com costumes tão variados! E temos a capacidade de não olhar para elas de forma apenas crítica, mas de forma a compreender o porquê. Estas pessoas provavelmente não conhecem outra realidade e a cultura onde vivem é aquilo que, para elas, é correto. Não conhecem a nossa noção de direitos humanos. Por isso garantem que defendem a mulher e que esta é sagrada, mas praticam o contrário. Porque, para eles, essas práticas são a forma correta de o fazer, na cultura deles. É difícil de digerir e é importante haver cada vez mais interculturalização, mas até lá ainda há um looongo caminho... e infelizmente, estas coisas continuam. Mas tenho a certeza que não olhaste para nenhuma dessas pessoas com um olhar de quem julga, antes tenta conhecer e isso é tão importante!
    Como a senhora que atirou a fruta. Provavelmente fê-lo apenas num atitude defensiva e impulsiva, porque se calhar, o simples ato de ser fotografada é uma fronta à sua individualidade ou trabalho. E não sabe lidar com isso, mesmo que esteja a desperdiçar aquilo que tanto lhes falta.
    Tenho uma questão: de que forma achas que cresceste mais com esta viagem? :) O que é o Senegal te deu e viste que foi realmente único? Uma viagem destas deve dar-nos muuita bagagem! E as tuas documentações estão incríveis :)

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    1. Se eu fizer uma avaliação geral - porque podia referir uma série de coisas que pude fazer e ver no país que, outrora, nunca antes tinha visto - aquilo que o Senegal fez, à semelhança da Rep. Dominicana e de Cuba, foi despertar-me para novas realidades. Eu passo a vida a dizer que saber é diferente de aprender e não há nada nos meus relatos que seja novo para nenhum leitor. Toda a gente sabe que existe pobreza; toda a gente sabe que existe fome; toda a gente sabe que existe desigualdade social e de género; mas quando vês a pobreza extrema com os teus próprios olhos, quando vês miúdos de três anos esfomeados, quando vês uma mulher da tua idade no segundo filho e já casada, condenada a uma vida que nunca escolheu, quando o choque está à tua frente e não em livros, fotos ou posts... Estala todos os teus telhados de vidro e abre horizontes. Confrontas-te com novas definições e realidades, palpáveis. E, inevitavelmente, ao mesmo tempo que agradeces tudo o que tens, relativizas tudo o que te incomoda. Não é que os teus problemas e dramas deixem de aparecer. Mas a forma como os encaras é mais madura, mais vivida. Sabes que é uma coisa chata que te está a acontecer, mas já viste pior, sabes que não é o fim do mundo. É um exercício já acumulado (porque os dois outros países que referi também me fizeram aprender tudo isto), mas talvez o Senegal tenha tido mais impacto porque é o destino menos turístico dos três, mais esquecido, mas também mais genuíno. Absorves tudo noutro prisma. Espero ter conseguido responder à pergunta, Mariana :)

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  2. Não faria ideia de que o teu nome seria bastante usual por lá! :)

    Interessante!

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