Os meus pais nunca foram apologistas de me educarem com uma redoma para o mundo. A verdade é que existem inúmeras coisas radicais, até perigosas, mas que toda a criança tem curiosidade em fazer. E a curiosidade não desaparece nunca, por mais proibições, tabus ou redomas que se coloquem em volta dos nossos, portanto - e como eu era uma miúda dada à adrenalina - eu e o meu pai, desde muito, muito cedo, fizemos um acordo justo: cada vez que eu quisesse fazer algo potencialmente perigoso, eu pedia-lhe primeiro e faríamos juntos.
Várias coisas faziam o meu coração palpitar de adrenalina e curiosidade; furar "ondas gigantes" em Santa Cruz; aproximar-me o mais que pudesse de um penhasco, para poder ver o mar lá em baixo, tão em baixo; descer uma estrada inclinada sentada em cima de um stake... Entre outras mais. E o ritual era sempre o mesmo: "Pai, posso fazer uma coisa perigosa?", "O que queres fazer, filha?" e lá íamos nós fazê-la, com todas as regras de segurança ditadas pelo meu pai, em primeiro lugar.
Juntos, fizemos coisas espantosamente arrebatadoras, para mim, claro. Foi do seu lado que furei a primeira "onda gigante" de Santa Cruz, uma monstruosidade que faria qualquer miúdo de 8 anos começar a correr para a costa, em pânico. Mas o meu pai ensinou-me tudo o que precisávamos fazer e explicou-me o timing certo para a cruzar sem levar com a rebentação. Deu-me a mão bem apertada quando queria ver o mar, lá em baixo. Arranjou um colchão velho para pôr no fim da estrada e apertou-me o capacete para descermos juntos de skate.
O curioso é que, à medida que crescemos, todos estes desejos radicais vão-se mascarando com decisões e vontades aparentemente nada radicais, mas ainda mais assustadoras. De um dia para o outro, deixamos de furar ondas gigantes, mas mergulhamos de cabeça para novos projectos e relações; os penhascos continuam lá, mas nós vamos construindo expectativas, sonhos e castelos cada vez mais altos, onde a descida nos assusta a cada golpe de olhar e o mar parece tão distante lá em baixo; os skates ficam arrumados na garagem, num canto perdido, mas a vida corre cada vez mais veloz e nós sem capacete, sem colchão e com os joelhos todos esfolados. E dei por mim a pensar em quão louca é esta aventura e o quanto eu gostaria que o meu pai continuasse a dar-me as regras de segurança, a dizer quando é a altura certa para mergulhar, a agarrar-me a mão, a apertar-me o capacete e a meter um colchão no final da descida. E é aqui que me apercebo: ali está o meu pai, também nesta viagem, uns quilómetros mais distante, sem capacete também, sem joalheiras, sem colchão. Na mesma viagem.
"Pai, posso fazer uma coisa perigosa?"
"O que queres fazer, filha?"
Viver. Viver muito.
Fotografia da minha autoria, por favor, não a utilizar sem autorização prévia
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Gostei tanto do que escreveste !
ResponderEliminarOpá! ❤
ResponderEliminarAdoro estes teu textos...
ResponderEliminarUm grande abracinho para ti, Inês, que sabes sempre o que dizer e que tens um olhar fabuloso perante o mundo :)
ResponderEliminarWow, adorei!
ResponderEliminarTão Inês este texto! Lindo!
ResponderEliminarQue comparações tão incriveis! É tão bom ler-te novamente!
ResponderEliminarExiste forma melhor de voltar a ler textos teus? Mas que comparação tão bonita! Esta tua forma de encarar a vida é, de facto, inspiradora! Que vivas muito Inês, mereces!
ResponderEliminarA Vida de Lyne
Que texto tão bonito, Inês! <3
ResponderEliminarDos melhores textos que li por aqui! <3 ISTO É MEEEEESMO INÊS, não há como enganar! :b
ResponderEliminarBeijinho gigante*
Este texto é maravilhoso Inês!! Parabéns!
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