FAMÍLIA | O Meu Avô


Um retrato do meu avô seria muito simples, especialmente da forma como todos o conhecem: um homem que trabalhou desde que se conheceu como gente, que construiu a sua vida a pulso e que não conheceu outro propósito na sua vida que não o trabalho. Honesto, generoso, com pouco sentido de humor – mas que sabe rir -, que nunca entrou num supermercado na vida, ama o sofá mais do que ama andar, que acerta o relógio da sala ao mesmo tempo que a transmissão do seu programa preferido começa: o telejornal. 

Reservado e introspetivo, nem sempre observador. Uma severidade no olhar, mas uma gentileza no coração. Simples, como disse. 

A beleza de sermos netos, é que levamos os nossos avós para lugares que eles nunca iriam, para serem pessoas que nunca foram. São pais com mel, que podem dar aos novos membros tudo aquilo que a disciplina, a educação e a época deles nem sempre permitiu aos filhos. 

O meu avô trabalhou a vida toda, mas deixava-me mexer na caixa registadora e sentava-se no jardim quando eu era pequena e colecionava pedras. Nunca entrou num supermercado na vida, exceto quando quis oferecer-me uma boneca e fez questão de lá entrar comigo e escolhê-la ao meu lado. De pouco riso, mas que o esboça sempre quando lhe digo algo absolutamente ridículo, só para puxar por ele. Que ama o sofá, mas levava-me de mão dada a passear pela cidade e que foi até ao Porto para me ver fazer um exame da Ordem. Que acerta o relógio, mas perde a noção do tempo quando está em família. Que tem o telejornal como programa preferido, mas que via sorrateiramente os Morangos com Açúcar comigo (um segredo que fica entre nós). 

Aprendi com ele algumas das coisas mais basilares dos meus princípios: a amizade não se agradece, retribui-se; no trabalho, só importa que ele seja honesto e muito bem-feito; dizer 'não' é importante, mas há muita gente que nunca teve um 'sim' na vida e podemos ser nós a dá-lo; é preferível ser ingénuo e de bom coração do que calculista.

Este é um lado do meu avô que só conheço porque sou neta. Poucos o conhecerão assim, mas também não são netos. Crescer e conhecer melhor o meu avô fez-me perceber o quanto mudamos e nos transformamos quando pessoas que amamos visceralmente chegam à nossa vida. Fazemos o que diríamos nunca fazer porque deixa de fazer sentido não o ser e fazer por eles. Porque queremos fazer parte das suas vidas, queremos devorar cada momento. Aliás, ele ainda devora cada momento: quando sei que quer voltar para casa e para a sua sesta, mas fica mais um pouco, só para estar mais um bocadinho connosco. Quando diz à minha frente que não quer sal porque sabe que eu sou melga com ele nas doses. Quando ainda olha para mim e não consegue deixar de me ver como uma miúda (e nunca deixará). 

Os avós são a prova de que o amor nos transforma, mas que há certas partes de nós que só quem realmente amamos vai conhecer. Normalmente, partes mais vulneráveis, mas também as mais verdadeiras. E que privilégio conhecer o Sr. Ivo por inteiro, como poucos o irão conhecer. É o meu avô.

7 comentários

  1. Que deliciosas lembranças que tens e que construíste com o teu avô. E isso faz-me ter saudades do meu, que morreu quando eu tinha 6 anos.
    ❤️

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  2. eles são mesmo das melhores coisas que o mundo tem, que amor tão bonito! <3

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  3. Texto-retrato tão lindo, cheio de lembranças e pormenores encantadores *-*

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  4. Porra! Que publicação bonita! Gosto tanto de avôs! Melhor pedacinho de ternura embrulhada de amor! Beijo, minha Inês!

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  5. Que texto lindo! Sobretudo sabendo da história por detrás... Que estas palavras fiquem sempre guardadas e sejam sentidas, apesar de tudo! 💛
    Abracinho grande,

    Lyne, Imperium BlogCongresso Botânico - PodcastLivro DQNT

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